Opinião
Quem sabe a chave do próximo euromilhões?
Infelizmente tenho esta veleidade de tudo saber, menos a chave do euromilhões
Hoje vou ser bastante coloquial, como convém quando tratamos de assuntos simples.
Quando temos a certeza que algo vai acontecer, porque antecipamos uma consequência, e depois se confirma o que antecipámos, dizemos com alguma jactância “Só não me calha a sorte grande”, ou “Só não ganho o euromilhões!”.
Lembro-me que no rescaldo dos grandes incêndios de Pedrogão Grande, na perspectiva da angariação de milhões de euros para a reconstrução, comentámos então, várias vezes, entre amigos, que de certeza absoluta muitos desses milhões iriam ser desviados à descarada para reconstruir casas de amigos e conhecidos.
Meu dito, meu feito, só não ganhámos o euromilhões!
Na verdade todos somos boas pessoas, pelo menos para aqueles que consideramos nossos amigos. E como eles contam connosco também para as boas oportunidades e ocasiões!
Podemos nunca ganhar a “Sorte Grande”, mas quando temos milhões à disposição é bom sermos altruístas e solidários.
É claro que se eu ocupar um cargo político/administrativo, essa minha partilha de milhares ou milhões de euros de dinheiros públicos, também entre “amigos”, ou entre empresas de amigos (já para não falar em familiares) adquire outro estatuto e outros nomes: clientelismo, corrupção, nepotismo.
Há casos que entram no domínio do descaramento e da ilegalidade e são julgados pelos tribunais, mas a maioria nem são ilegais.
São apenas favores e favorecimentos, na base da confiança política, pessoal, empresarial, dentro de um circuito normal de “administração” dos dinheiros públicos.
Ora, quer se queira quer se não queira, quando se instala e se generaliza essa sensação incómoda que os orçamentos públicos alimentam sistematicamente uma rede de “clientes”, começamos a duvidar da máquina que nos governa e do sistema político que a movimenta.
E se não resguardarmos esse sistema, que é a Democracia, de uma generalização por vezes abusiva, a Democracia começa a ser questionada. Tudo tão simples e ao mesmo tempo tão perigoso.
É por isso que a todos preocupa a forma como vão ser gastos os biliões do PRR.
Como temos a veleidade de saber tudo, podemos antecipar que muitos e muitos milhões irão ser dispersos em projectos não prioritários e redundantes, em projectos sem projecto, em projectos fogo-fátuo; muitos milhões em profissionais ou empresas que só preparam, avaliam, analisam, reavaliam e reanalisam e dão pareceres sobre pareceres; muitos milhões em empresas “amigas”, mais ou menos poderosas, mas que à partida se duvida que necessitem de quaisquer apoios; e mais milhões em milhares de pequenos circuitos de intermediários, que intermedeiam vá-se lá saber o quê.
Muitos milhões que se irão esfumar sem terem produzido, sem ter desenvolvido, sem ter construído melhor futuro.
Enfim, muitos milhões que irão passar novamente ao lado da cultura, mesmo quando se sabe que a base de toda a coesão, identidade e desenvolvimento se filia na cultura e nas suas diferentes manifestações.
Infelizmente tenho esta veleidade de tudo saber, menos a chave do euromilhões.