Opinião

Respeito, empatia e cuidado… para com o vizinho do lado

17 mai 2024 11:27

Gostei muito de ver o nosso País tingir-se de vermelho nas últimas semanas, das movimentações que nos uniram em torno dos valores da liberdade

Ando a ler um livro chamado: Imaginação Reinventando a Cultura da Marta Porto. A certa altura a autora diz que “há desenvolvimento quando as sociedades ampliam o espaço dado àquilo que o poeta Paul Valery chamava de “espaço das coisas vagas”, o lugar onde as coisas não têm uma função predeterminada, não ganham importância, só porque geram renda ou impactam na economia, mas porque possuem valor humano, fazem chorar, rir, provocam curiosidade, rejeição, autoconhecimento.”

Gostei muito de ver o nosso País tingir-se de vermelho nas últimas semanas, das movimentações que nos uniram em torno dos valores da liberdade, da democracia e da cidadania. A união que combate a anomia e que utopicamente sonha a liberdade “a paz, o pão, habitação, saúde, educação” para todos e para todas.

Gostei de ver-nos a todos e a todas a tingir-nos de vermelho e a construir em conjunto, e a escrever poemas, e a declamar poemas, e a empunhar cartazes, e a levar connosco os nossos filhos e filhas, e os nossos pais e as nossas mães, os nossos amigos e as nossas tias e a gritar: Para continuar Abril, somos muitos muitos mil…

Gostei de ver o Sérgio Godinho, o David Fonseca, a Capicua, a Garota Não, o JP Simões, o Jorge Palma, o Vitorino, as Filarmonias e as Filarmónicas, sair à rua de cravos na mão e ímpetos no coração… “que força é essa amigo” e abraçar outros tantos amigos a cantar num encosto de ombros: Grândola vila morena…

Gostei de ver pintar murais, de ver mantas nas varandas bonitas de bordados , de ver gente junta em festas e arraiais… de ver foguetes estourar e sorrir amizades antigas…

Gostei de ouvir histórias, de ver teatro para todas as infâncias, de saber mais sobre um Salazar, … azar…azar… ouvir sobre a ditadura … dura… dura… De ler cartas de amor e de guerra, no verso de fotos a preto e branco. De conhecer gente nova de tingida de vermelho e de coração maior…

Gostei de intuir ou sonhar que nas últimas semanas, juntos abrimos mais espaço para as “coisas vagas” e sobre este hiato continua a Marta Porto: “sendo espaço da não função ele funciona como resistência, transgressão e oposição (…) abrindo nos cidadãos a necessária renovação dos direitos, não só a observância dos já constituídos. Aqui mora a Liberdade!”

Mas não posso deixar de partilhar no meio deste êxtase bonito tingido de vermelho, que me assola mais do que distinções entre ruralidade e urbanidade, ter ouvido uma figura pública de quem até gosto perguntar a outra em plena véspera do 25 de Abril…: Dás-te com pobres? E no rescaldo de Abril, um grupo de imigrantes ser brutalmente agredido enquanto descansava na casa onde viviam outros tantos, e poucos se movimentam para averiguar o que se passa… Liberdade? E pronto…

Ai, só há liberdade a sério.. Quando houver/A paz, o pão/Habitação, saúde e educação/Só há liberdade a sério quando houver/Liberdade de mudar e decidir”… E respeito, e empatia, e cuidado…para com o vizinho do lado. 

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990