Opinião

São estes os caminhos da paz?

2 abr 2022 15:45

E poderá haver verdadeira paz sem confiança e solidariedade?

Meu caro Zé,

Gostaria de fugir do paradoxo que é a longínqua frase latina “Se queres paz, prepara-te para a guerra”.

O paradoxo parece (só parece?) ter sido alienado, designadamente na Europa, emergindo conceitos como desanuviamento, desarmamento (lembras-te?) e até “o fim da história”.

Só que fui acordado por um artigo, que tinha em arquivo, do Finantial Times de 2-08-2011 (há mais de 10 anos!), em que, a propósito de eleições presidenciais na Rússia, Charles Grant, diretor do Centre for European Reform, afirmando que Putin, que seria o presidente, manteria o seu estilo de confrontação, tendendo a olhar para as relações internacionais como um jogo de soma nula.

Esta visão é, obviamente, um sério obstáculo a qualquer cooperação, a não ser aquela que pode conduzir ao “equilíbrio do medo”. Este pode levar a um acordo de desarmamento ou a uma corrida ao armamento.

Será, pois, mais uma trégua que uma verdadeira paz, sempre ameaçada.

Mas Charles Grant vai mais longe, considerando que Putin persistiria numa política económica centrada na exportação de recursos naturais para manter a sua base de poder e a riqueza dos clãs dominantes.

E nem deixava de lembrar certos acordos entre os EUA e a Rússia, nos casos do Afeganistão e das sanções ao Irão, que estariam na base do pensamento russo de que os EUA aceitariam a sua primazia nos estados limítrofes, incluindo a Ucrânia.

Ainda, não menos relevantemente, realça que o plano de defesa antimísseis de Barak Obama foi invocado como razão para a Rússia ter, entre 2010 e 2013, aumentado em 60% o seu orçamento para a defesa, alegadamente como modo de evitar a neutralização das suas forças nucleares estratégicas.

Estes movimentos punham, claramente, em causa o “conforto” de conceitos como “desanuviamento”, “desarmamento” e até globalização, como se está a ver agora.

O que fizeram os políticos e a diplomacia ocidental para lidar com esta situação que é invocada para o ataque à Ucrânia, um país independente?

E era novidade? Putin não tinha dado sinais, na Chechénia, na Geórgia, na Crimeia? E o Papa Francisco não ia constantemente alertando para a terceira guerra “aos bocados”?

Um dos “bocados” cresceu agora tanto que se tornou mundial e com a Europa, a “descontraída” Europa, no centro.

E o tal equilíbrio (ou, agora, desequilíbrio) do “medo” não pode ser rompido por quem, não tendo que dar satisfação à sua opinião pública, tem o poder de “carregar no botão”, ameaçando até fazê-lo?

E isso não implica bom-senso na diplomacia e, sobretudo, sem abdicar firmemente dos seus princípios, evitar imitar linguagem e gestos que se censuram aos outros?

Como seria bom ter paz, mas, ao menos, que venham as tréguas, como primeiro (e talvez único) caminho para a busca de uma verdadeira paz.

E poderá haver verdadeira paz sem confiança e solidariedade?

E cada um de nós individualmente e os países, com os nacionalismos exacerbados e as organizações internacionais, temos contribuído para isso?

Até sempre

 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990