Opinião

Se falarem com um brasileiro agradeçam-lhe

17 nov 2022 20:03

O sentimento deveria ser sempre o de felicidade e de gratidão quando na rua ouvimos falar outra língua que não a nossa.

Uma das histórias mais tristes da humanidade é o negócio de escravos para enriquecer as coroas dos países mais ricos. A existência de escravos no mundo é documentada há milhares de anos, mas em Portugal a massificação da sua utilização é uma realidade a partir do século XV. A primeira grande “partilha” de escravos, de que há notícia em Portugal, aconteceu sob tutela do Infante D. Henrique, na cidade algarvia de Lagos, no ano de 1444. Mais de 200 homens, mulheres e crianças foram disputados entre algumas dezenas de interessados.

Um triste período da história do nosso País e que talvez o devêssemos recordar com mais regularidade de forma a evitarmos algumas observações desajustadas que infelizmente vamos ouvindo por aí. A ideia que tenho é que em Portugal sempre existiu uma certa normalização no tipo de linguagem racista que se utiliza nas conversas de café ou até mesmo quando um amigo nosso decide verbalizar, com a maior das naturalidades, a sua opinião sobre os imigrantes que decidiram vir viver para Portugal ou então quando se lembra de referir a cor da pele como elemento de superioridade.

Provavelmente alguns de nós ainda vive sob a memória da história do passado quando colonizámos e ocupámos “todos” os territórios onde as naus e caravelas atracaram e por isso agora sintam alguma dificuldade em receber pessoas de outros países. Na verdade, o sentimento deveria ser sempre o de felicidade e de gratidão quando na rua ouvimos falar outra língua que não a nossa.

O ano de 2021 foi aquele com menos nascimentos em Portugal desde que há registos. Num ano ainda fortemente marcado pela pandemia de Covid-19, a natalidade atingiu mínimos históricos, com menos de 80 mil nascimentos. O cenário só não é muito pior devido ao grande número de nascimentos com mãe estrangeira. O investigador da Universidade de Coimbra, Pedro Fróis, afirma mesmo que “os imigrantes salvam um pouco a demografia, mas só se eles ficarem a viver cá”. Um terço destes imigrantes são brasileiros, que rapidamente poderão chegar aos 300 mil.

Para além de nos ajudarem com o nascimento de novas crianças, os imigrantes que saíram dos seus países na busca de melhores condições de vida, também contribuíram com mais de mil milhões de euros em contribuições para a segurança social em 2020. O relatório estatístico do Observatório das Migrações também nos informa que os imigrantes só beneficiaram de 273 milhões de euros em prestações sociais, apresentando assim um saldo positivo de 727 milhões.

Se estas duas enormes razões não forem suficientes para estarmos gratos pela decisão de estes imigrantes terem escolhido o nosso País para viver lembremo-nos na riqueza cultural que eles nos trazem: a música, a gastronomia, as cores das suas roupas, a forma alegre como usam os espaços públicos entre tantas outras formas de expressão multicultural. Brasileiros, russos, ucranianos, chineses, nepaleses e todas as outras nacionalidades que pertencem a um mundo que tem de ser de todos.

A artista Gal Costa também deveria pensar assim e por isso na última entrevista que deu ao jornal Expresso, em 2017, explicava a riqueza permanente da música do Brasil, fruto da mistura de “negros, índios e portugueses”. Uma música que é deles, uma música que também é nossa e de todo o mundo.