Opinião

Um centro interpretativo em Milagres

31 ago 2024 16:34

A História pode ser revista com uma outra narrativa ética e moral, mas não pode ser apagada

A freguesia de Milagres foi criada em meados do século XVIII a partir de um milagre convertido em templo santuário. A ribeira que atravessa a freguesia, e que em muito tem delapidado o bom nome da terra, não se chama ribeira dos Milagres, mas sim de Agodim que nasce, vem, passa pelos Marrazes e vai ter ao Lis.

Milagres é a freguesia de Leiria que, na boca do povo, tem sido injustamente injuriada. Milagres não é uma ribeira, é uma terra riquíssima em história e na gente. O Homem, inserido no seu ambiente natural, é parte integrante dele e exprime a sua fisionomia regional. Milagres é a sua gente. 

O processo reformista português dos anos 30 do século passado foi agrário, com o objectivo de intensificar a produção agrícola através da intervenção nas propriedades e, sobretudo, nos baldios. A estratégia económica decorria da preocupação, pós-Primeira Guerra, da auto-suficiência alimentar do País, cabendo ao Estado a sua intervenção no sentido de promover o uso dos terrenos incultos. Tratava-se de uma política de colonização interna, fortalecendo a família e a ruralidade enquanto virtude a ser promovida pela ideologia do Estado Novo salazarista. 

É neste âmbito histórico que em 1926 (com decreto de 1925) é constituída primeira a colónia agrícola do País em Milagres, abrangendo ainda o lugar de Triste e Feia e Bidoeira. O núcleo em Milagres dispunha de armazéns, estábulos, palheiros, moagem, forno de uso colectivo, casas de madeira e, depois, de alvenaria. Em 1961, havia 105 habitantes na colónia agrícola. 

A História pode ser revista com uma outra narrativa ética e moral, mas não pode ser apagada. A colónia agrícola de Milagres tem uma forte conotação ao Estado Novo salazarista, mas é a história da freguesia que tem de ser preservada e transmitida.

Recentemente, a câmara da Marinha Grande inaugurou um centro interpretativo de Arte Xávega na Vieira, que mostra a vida pobre das gentes do mar, da pesca, da maior migração interna do século XX que foram os avieiros descritos na obra de Alves Redol. Isto é promover o conhecimento e a memória local. A vida mísera dos avieiros não é uma vergonha do Estado Novo. É a força viva do ser humano em vingar na sua existência. 

A freguesia de Milagres vai a votos em 2025. O presidente da junta, por imposição da lei, será outro. O que é prioritário fazer é mostrar a Leiria toda a importância de Milagres na zona centro-norte do concelho através da sua história. Assim como fez a Marinha Grande na Vieira, Milagres deveria ter um centro interpretativo da sua história, nomeadamente, sobre a colónia agrícola, a primeira do País.

Ter um museu com fotos e utensílios e que estão na posse de familiares. Na Bidoeira ainda há casas da antiga colónia agrícola. Um território não se envergonha da sua história. Milagres não é só uma ribeira que nem se chama de Milagres. Aliás, da ponte para baixo já é Marrazes.