Opinião

Ventos da História

5 abr 2024 11:27

A Europa dos valores e da cultura que os unia, tal como quase todo o Ocidente, também não entenderam a anexão da Crimeia

Meu Caro Zé, 
No balanço das nossas conversas recentes e no meio desta confusão, que uma multidão de denominados “comentadores” ajuda a agravar, lembrei-me de um pequeno livro editado em francês em 2021 e traduzido em inglês (a versão que me foi oferecida) em 2023. A novidade desse livro, A kidnapped West – The tragedy of Central Europe, é trazer para a atualidade duas intervenções de Milan Kundera, a primeira, The literature of small nations, apresentado em 1967 (um ano antes da “Primavera de Praga”) ao Congresso de Escritores Checos e a segunda, The Tragedy of Central Europe, um artigo publicado no jornal Le Débat, em 1983.

A primeira, analisando o destino das nações mais pequenas da Europa Central, antecipa o conteúdo da segunda, em que invoca o dilema dessas nações numa Europa que se estava a tornar mais global. Lembrando aí, que a Europa tinha evoluído culturalmente em bases algo diferenciadas, designadamente pela diferença de religiões e visão política, salienta que, depois de 1945, essa “fronteira” entre as “duas” Europas se deslocou muitas centenas de quilómetros para Ocidente, de tal modo que nações que se consideravam ocidentais, acordaram descobrindo que estavam no Leste.

Lembrando então toda a pertença histórica e cultural ao Ocidente, surge o dilema de se sentirem no Centro geográfico da Europa, culturalmente no Ocidente e politicamente no Leste. Defende, então, que a tragédia para a Europa Central não é a Rússia, mas a Europa que, no seu entender, tal como a América, não consideravam que as invasões soviéticas, a começar pela Hungria em 1956, eram uma invasão da Europa, mas sim uma questão de regime político. Para evidenciar bem o que sentiram os húngaros, checos e polacos, transcreve a notícia do telex dada pelo Diretor da Agência de Notícias Húngara, com a frase: “Estamos a morrer pela Hungria e pela Europa” (e ele mesmo veio a morrer).

Concluía Milan Kundera que, ao lançar essa frase, o Diretor da Agência não suspeitava que a mensagem pareceria fora de moda e não seria entendida. A novidade é que a Europa dos valores e da cultura que os unia, tal como quase todo o Ocidente, também não entenderam a anexão da Crimeia e todos os movimentos prévios que Putin ousou, apesar de todas as suas obrigações políticas e até assumidas em tratados. Estarão os “Centros” geográficos ou políticos condenados à tragédia? 

Até sempre,