Opinião
Vinte minutos das férias
O céu revestiu-se de uma renda branca tecida nas nuvens pelo vento, e um longo traço vai continuamente avançando em direcção a Este, carregado do pequeno mistério que é partir.
O milhafre veio parar no zénite, esticou as asas mantendo-lhes uma curvatura perfeita, e descansou, imóvel, no ar. Depois, o rumorejar suavíssimo das folhas das árvores de troncos cravados no mesmo chão que me sustenta, e o pensamento foge para esse outro chão que rugiu, tremeu e engoliu vidas, aos gritos, e para o silêncio que se produziu depois.
Tento colocar-me no desespero de lá, e perceber o tanto que teria a perder, aqui. Olho em volta e confiro vozes, sorrisos, uma gargalhada, olhares atentos a uma coisa qualquer, e respiro fundo uma certeza de pertença.
Uma rola pousou junto do rectângulo de água a reflectir o céu, ambos imóveis durante tanto tempo que me esqueci de um pensamento e mergulhei num outro, de outro tempo, levado pela ponta do traço branco já muito para além de aqui.
Era no tempo da montanha inóspita, das sementes de giesta a estalar sob o calor, do pôr-do-sol a trazer profundidade às fiadas de cumes justapostas, do amanhecer azulado da linha do horizonte, da sensação de abóbada sob um firmamento negro repleto de estrelas que caíam.
*Professora de dança
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