Sociedade

“Acho completamente errada a teoria que se devem impor limites às crianças”

28 abr 2016 00:00

Psicanalista e pedopsiquiatra, António Coimbra de Matos diz que hoje a depressão está sobrediagnosticada e que há na classe médica portuguesa “uma excessiva permeabilidade ao sector farmacêutico”.

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Maria Anabela Silva

Imagine que sentávamos o País no seu divã. Que diagnóstico faria?

Somos um país com grandes capacidades, mas que está amortecido, com muito medo e pouca capacidade de reacção e de crítica. Noutros países que passaram por situações semelhantes, como Espanha ou Grécia, as pessoas reagem mais e são mais agressivas. Aqui, são um bocado moles. Porque será? Foram várias as circunstâncias. O País convenceu-se que, depois do 25 de Abril, tudo seriam rosas e fácil e não se preparou para alguns choques, como os três regastes a que já fomos sujeitos. Dá a impressão que fomos apanhados de surpresa com a última crise, em 2008 e 2009. Enquanto os outros países estavam mais atentos e reagiram, nós ficámos à espera, acreditando que as coisas se iam resolver. É difícil definir características nacionais, mas talvez nós tenhamos uma certa ingenuidade.

A história também influencia?

Também. Repare a nossa reacção – também de Espanha, embora não tanto como nós – face aos judeus. Eles trouxeram coisas novas e inovadoras e nós mandámo-los embora, em vez de os aproveitar. Outros, pelo contrário, deram-lhe acolhimento e beneficiaram muito com isso. O ser humano tem uma dupla atitude perante o que é novo e desconhecido. Por um lado, um certo receio do que aí vem. Se é novo, é perigoso. Por outro, um certo fascínio, pela novidade. Se é novo, deixa aproveitar.

De que lado colocaria os portugueses?

De uma maneira geral, somos mais adversos à novidade. Isso faz parte da nossa história. Somos um país com um território relativamente pobre. Os homens eram obrigados a sair. As mulheres ficavam, com os filhos a cargo. Costumo dizer aos meus alunos que, quando a criança tem medo, a mãe dá-lhe a mão, o pai dá-lhe um pontapé no rabo. Ao longo da história, a educação dos filhos fazia-se em torno da mãe, com pouca presença do pai. Sempre com mais protecção. Falta o tal abanão.

Falou da crise que, nos últimos anos, se abateu sobre Portugal e que teve consequências na saúde mental da população. Os dados mais recentes dão conta que cerca de 25% dos portugueses sofrem de depressão.

Os números podem indicar duas coisa. Por um lado, há mais diagnóstico. Por outro, houve um efectivo aumento de casos. Isto passa-se noutros países, como França, Grécia ou Espanha. Há mais desemprego, mais dificuldades no trabalho e mais pressão das entidades empregadoras, deixando os trabalhadores numa situação mais difícil. O que se passa em Portugal não é muito diferente do que se passa no Mundo em geral.

Mas pensar que um em cada quatro portugueses sofre de depressão...

Houve um tempo em que se diagnosticavam pouco as depressões. Agora, diagnosticam-se um bocado em excesso. Às vezes, basta a pessoa hoje não estar bem e no dia seguinte voltar a não se sentir bem disposta para o psicólogo ou o psiquiatra registarem a situação como depressão. Isso é muito evidente na infância. Nos anos 60 [do século XX] praticamente não se diagnosticava uma depressão na infância. Dizia-se mesmo que, nessas idades, não havia depressão. Hoje, diagnostica-se em excesso.

Também se medica em excesso?

Sem dúvida. Nesta matéria somos um bocado diferentes do resto da Europa. Há na classe médica portuguesa uma excessiva permeabilidade ao sector farmacêutico. Esta indústria consegue penetrar mais do que noutros países, onde os clínicos são mais resistentes ao trabalho dos delegados [de propaganda médica]. Aqui, aceita- se mais facilmente a introdução dos produtos apresentados. Na Dinamarca receita-se um terço dos ansiolíticos do que aqui. Em Portugal há um abuso dos medicamentos.

Isso poderá acontecer também por pressão do paciente, que tem a tendência de questionar quando o médico não receita nada?

Isso também acontece. Mas a questão principal está na formação dos médicos. Nos Estados Unidos os futuros médicos têm cadeiras de humanidades, como história, sociologia ou psicologia. Aqui não. Temos uma formação técnica, muito ligada à química e à farmacologia. Os médicos estão habituados a resolver com drogas ou cortando, através da cirurgia. O conhecimento da relação humana é menor.