Sociedade

“As organizações pedem pessoas que não estejam centradas nos mexericos”

10 nov 2016 00:00

Jorge Rio Cardoso é o autor do livro "Este ano vais ser o melhor aluno! Bora lá?" Defende que os valores e comportamentos devem ser mais destacados do que as boas notas. Alunos excelentes podem ter tiques de vedetismo, que não cabem nas empresas de hoje

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Assume que foi mau aluno. O que é ser bom e mau aluno?
O bom aluno não é aquele que só tem boas notas. Ele tem de ter boas atitudes e isso é fundamental para ser bom aluno. Tem de ser alguém solidário, honesto e ter companheirismo, porque a educação faz-se sempre com valores. Mais que ter boas notas, interessa um aluno que esteja focado na solução. Hoje em dia, as organizações pedem pessoas que não estejam centradas nos mexericos, mas sim nas soluções e que saibam trabalhar em equipa e criar empatia com os outros. Pode acontecer que alguém tenha boas notas, mas que depois tenha tiques de vedeta e que se isole. Um bom aluno é alguém que tenta ser melhor do que aquilo que era. É aquele que não desiste e que se tenta ultrapassar.

As empresas preferem alunos medianos, mas polivalentes?
Há médias mínimas, mas hoje em dia, - e tenho exemplos práticos do sítio onde trabalho, o Banco de Portugal – conta muito aquilo que se designa por inteligência emocional, ou seja, a capacidade que se tem para gerir as emoções, de se pôr no lugar do outro, de ser resiliente e estar focado na solução. Mais do que uma cabeça cheia de conhecimento interessa uma cabeça que saiba pensar e, sobretudo, que saiba tomar decisões e não tenha medo de arriscar. Conheço muitas organizações com pessoas que fizeram carreiras e quase não tomaram decisões. Quando tomo uma decisão evidentemente tenho pessoas contra mim e outras a favor. Por isso, é considerado socialmente inteligente não opinar de que clube ou de que religião sou. Mas isso não é o ideal. O ideal é essa pessoa ter a coragem de assumir posições, batendo-se por elas, mas também respeitando opiniões que sejam contrárias à sua.

E a escola ensina e prepara os jovens para este novo paradigma?
Acho que não, mas não devemos culpar a escola. Nos últimos 30/40 anos, a escola tentou chegar a todos e conseguiu. Foi uma escola democrática. Tornou-se muito objectiva, mas muito à base do passas/não passas, à base do critério, da regra e da imposição. Hoje a escola tem de dar um salto qualitativo, no sentido de abarcar outras áreas que até aqui não tocou, nomeadamente a utopia e o sonho. Por exemplo, onde está a poesia nas escolas? Não está porque é qualquer coisa subjectiva. A escola também se baseia muito na avaliação sumativa, ou seja, à base da nota. O que hoje se discute é uma avaliação formativa. Alguns jovens perguntam- me onde é que está a pontuação da solidariedade com os outros e dos valores. Uma boa nota pode esconder coisas horríveis, como uma pessoa egoísta, que tem tiques de vedeta. Tudo isso são coisas que devemos afastar do ensino. Tem-se estado a dar passos na questão da avaliação formativa, indo ao encontro de todas as coisas que agora são populares, como o modelo finlandês ou a escola da ponte, em que se trabalha já com uma lógica de projecto e em que se tira aquelas amarras do compartimento estanque do Português, do Inglês e da Matemática. Torna-se um ensino muito mais aliciante. Põe os alunos a falar, o que é algo que a escola não faz. Aliás, a escola põe os meninos de costas uns para os outros, quando em U fazia mais sentido para se verem.

A escola está muito dirigida para as competências cognitivas dos alunos e coloca em segundo plano o desporto e as artes, embora esteja a verificar- se uma mudança, com a média da Educação Física a voltar a contar no secundário.
Acho essa medida muito bem. Chumbei duas vezes e aquilo que mudou muito a minha vida no sentido de me trazer competências foi o atletismo, onde aprendi a vencer os meus medos. Ganhei auto-estima e comecei a perceber que do meu esforço podia resultar qualquer coisa e essa qualquer coisa é ir melhorando muito devagar, mas com grande sacrifício, e apaixonar-me por aquilo que estou a fazer. Depois passei isso para o estudo. Podia não ter sido um desporto, mas a música ou qualquer arte. Há imensas coisas em que os jovens não só ganham competências como habituam- se a respeitar-se uns aos outros. As primeiras vezes que falei em público foi nas reuniões gerais de alunos e era terrível falar naquelas circunstâncias, porque havia imenso barulho. A verdade é que a escola não põe os meninos a falar. Isso são competências que eles deviam ter desde cedo. Sou professor universitário e vejo que os meus alunos têm uma enorme inibição de se expor em público. Mas voltando à pergunta acho muito bem que o desporto e as artes não sejam consideradas disciplinas de segunda, porque está provado que, mesmo a nível físico e químico, cria boa disposição.

Concorda com as turmas por nível, separando os bons dos maus alunos?
Sou completamente contra, tal como sou contra separar turmas de meninos e meninas. Mas não tenho dúvidas que se assim fosse as notas subiam, porque os bons alunos percebiam sempre à primeira e seria sempre a acelerar. Mas existe uma sociedade em que nós queremos que os meninos e meninas se percebam e que vivam os naturais conflitos e os saibam gerir. Eu passei pelo ensino que não era misto, a violência era grande entre nós rapazes e realmente quando começámos a ver raparigas era só parvoíce, porque não sabíamos lidar com elas. As notas podem não ser tão boas, mas o ensino é conviver com as diferenças dos outros. Os bons alunos precisam de ser solidários com os maus alunos e precisam conviver com eles, tal como as crianças com necessidades educativas especiais devem estar nas turmas para fomentar o lado emocional das pessoas. As turmas têm de ser heterogéneas. Não podemos estar a criar uma elite, em que aqueles meninos vão ter tiques de vedeta, vão-se isolar e achar que são os maiores.

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