Sociedade

“É bom que os Governos não tenham o Presidente da República no bolso” - Henrique Neto

7 jan 2016 00:00

O candidato a Belém diz que a incapacidade de prever o que vai acontecer “é um dos grandes pecados da política portuguesa”. Revela que, se as presidenciais tiverem uma segunda volta e se não passar, não votará em ninguém.

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Maria Anabela Silva

Afirmou recentemente em Leiria que um Presidente da República “pode contribuir para mudanças profundas se correr riscos”. A falta de coragem para correr esses risco foi um dos “pecados” de Cavaco Silva?
Sim, mas não foi o único. Os políticos portugueses, em geral, têm poucas convicções, talvez por lhes faltar experiência de vida. Esta, não se cria com uma actividade profissional única. Cria-se na diversidade. É isso que faz com que, de uma maneira geral, o empresário, principalmente aquele que exporta, tenha uma experiência muito mais vasta. Num académico, essa experiência acaba por ser mais pobre. O ambiente familiar e o círculo de amigos também influenciam. Quando são ambientes muito conservadores, prefere-se o politicamente correcto.

Cavaco Silva cometeu outros “pecados”?
Claro que sim. Um dos grandes pecados da política portuguesa é a incapacidade de prever o que vai acontecer. Assistimos hoje a uma aceleração do tempo. As coisas passam- -se mais depressa do que há 50 ou 100 anos. Se uma pessoa que dirige, seja uma empresa ou um país, não previr o que vai acontecer a cinco ou a dez anos, aquilo que vai fazendo está sempre atrasado em relação aos outros que prevêem e à própria evolução do tempo, das tecnologias ou da política. Quando criticava o engenheiro Sócrates por andar a endividar o País, fazia-o porque sabia que o endividamento nos ia tirar independência. Os países endividados ficam dependentes de quem lhes empresta o dinheiro, sobretudo, numa época em que o sector financeiro tem um poder enorme, através, por exemplo, das empresas de rating. Em Portugal, nem os Presidentes da República nem os primeiros-ministros anteviram os inconvenientes do endividamento do País. O problema não foi apenas com José Sócrates. Já vinha de trás e continuou depois.

Se fosse Presidente da República nessa altura o que teria feito?
Desde logo, alertaria o primeiro-ministro e o Governo para o facto de o endividamento conduzir a uma dependência e explicaria que é falsa a ideia de que as dívidas não são para pagar, como alguns disseram. E não foi apenas José Sócrates. O professor Cavaco Silva também já tinha dito isso quando era primeiro-ministro. Acredito que, com pessoas normais no Governo, essa pedagogia, vinda de alguém com experiência e com capacidade de prever os inconvenientes de determinada estratégia, pode funcionar.

E se não funcionar?
O Presidente tem sempre a possibilidade de fazer uma mensagem à Assembleia da República, transmitindo a sua preocupação aos deputados e explicando as consequências. Alguém que está numa posição política de topo, como um Presidente da República, tem poder. Tem poder de mediação, de ir à televisão ou de mandar mensagens à Assembleia e ao País. Estamos a falar de intervenções em situações graves, como o endividamento ou as PPP [Parcerias Público- Privadas].

Com os poderes consagrados na Constituição há margem para termos um presidente mais interventivo?
Claro que há. O Presidente deve manter sempre em aberto a possibilidade de tomar medidas constitucionais mais extremas, como a dissolução da Assembleia da República. É bom que os Governos não tenham o Presidente da República no bolso. Se isso acontecer, deixam de o ouvir. O professor Cavaco Silva tem publicado vários livros, onde passa a vida a escrever que disse isto e aquilo. Só que nada do que disse teve consequência, porque os Governos tinham a ideia de que ele seria conservador e politicamente correcto e que não iria dissolver o Parlamento. Isso é mau. Retira poder ao Presidente da República.

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