No livro Quem só espera, nunca alcança revela que, em 1996, se mostrou contra a passagem do Politécnico de Bragança a universidade, referindo mesmo que “só por cima do meu cadáver”. Essa é uma pretensão do Politécnico de Leiria, para poder ministrar doutoramentos, mantendo a matriz de politécnico. Continua contra esta transformação?
A passagem para universidade não faz muito sentido. Isso é uma questão menor, porque os politécnicos podem sempre associar-se a universidades para fazer os doutoramentos, se for caso disso. Há uma certa obsessão pelo doutoramento e o politécnico não deveria estar obcecado com essa ideia. Não quer dizer que não se possam encontrar outras soluções. Por exemplo, podem criar-se escolas doutorais para dar doutoramentos, se isso for útil. Esta ideia de dizer que os politécnicos passam a universidade parece-me completamente absurda, sobretudo numa medida generalizada. O estudo pontual de algumas instituições darem doutoramentos é uma questão que pode ser equacionada. O grande problema que se coloca ao ensino superior em Portugal é a necessidade de ele ser diversificado e corresponder a públicos diferentes e também a objectivos que são complementares. Independentemente de onde se dão os doutoramentos, o que para mim é uma coisa mais ou menos secundária, o que me parece mais importante é que as instituições, universidades, institutos politécnicos e escolas não integradas tenham um plano de actividades e um projecto e sejam capazes de responder àquilo que são os interesses locais, regionais e nacionais. O Politécnico de Leiria ganhou uma dimensão e uma qualidade de intervenção que hoje ultrapassa em muito o local e o regional e tem hoje uma relevância muito grande no País. Portanto, o Politécnico de Leiria tem todas as potencialidades para continuar a ser um instrumento ao serviço das pessoas de Leiria, da região alargada de Leiria e um papel ao nível do País no seu conjunto. Tem também hoje uma relação internacional com algum relevo e ganhou-a não apenas no relacionamento que tem com Macau, mas com tudo o que está a jusante disso e que decorre desta relação externa.
No livro refere que o sucesso da escola depende dos professores. Essa é uma razão da falta de sucesso a Matemática?
O problema da Matemática é um problema que não é só dos portugueses. Às vezes, coloca-se uma pergunta que é: 'não somos rigorosos porque não sabemos Matemática ou não sabemos Matemática porque não somos rigorosos?' É um bocadinho o problema da galinha e do ovo. Em algumas famílias, há pais que dizem ao filho: 'deixa lá, porque eu também não gostava de Matemática'. Julgo que isto é um erro, porque a Matemática faz parte integrante da formação, ao lado da Língua Portuguesa, da História, da Música... Mas também não devemos endeusar a Matemática. Não é uma coisa que se possapossa dizer que é absolutamente vital. Há muitos professores de Matemática que, por vezes, são um bocadinho excessivos. Como sabem muita Matemática acham que quem não souber aquilo não é gente. Isto não é bem verdade. Há que perceber bem o enquadramento da Matemática, no sentido da adaptação aos estudantes. Deve haver objectivos claros no ensino da Matemática, como deve haver no Português e na História. Por exemplo, há marcos na História que são fundamentais que sejam adquiridos na escola ao longo de um período de ensino, mas depois há um mundo por descobrir em termos de informação. Na Matemática é um bocadinho assim: há uns marcos, coisas essenciais que os miúdos devem adquirir e aí julgo que se tem feito um grande progresso no ensino da Matemática. Um dos grandes saltos que demos na melhoria do comportamento e das notas obtidas pelos estudantes portugueses em testes internacionais deve-se muito ao facto de as novas gerações terem pais com níveis educativos muito diferentes do que se constatava há 20 anos. Hoje, os pais começam a ter o 12.º ano e ensino superior. A educação dos miúdos dos 3 aos 18 anos é o reflexo daquilo que for a educação dos pais. Os pais é que são os grande educadores dos miúdos. Não são os professores. A escola tem um grande papel, os professores são elementos muito relevantes e os estudantes dependem muito disso, mas quem é responsável pela educação dos miúdos são os pais.
"Todos nós aprendemos quando temos um clique. Há também um casamento entre a motivação e a utilidade da aprendizagem adquirida"
Os professores queixam-se que os programas são demasiado extensos. Concorda?
Não sou especialista em desenvolvimento curricular, mas a ideia que tenho dos inúmeros contactos, e já levo muitos anos disto, é que quem faz os programas, muitas vezes, preocupa- se em ir um bocadinho além do razoável. Querem pôr lá tudo. Para muitos autores há uma certa ideia de que tudo é relevante e nada pode ficar de fora. Tem de haver alguma cautela. Assim, acaba por não se distinguir o essencial do acessório. O fundamental é fornecer as âncoras aos estudantes, onde eles se agarram.
Referiu que, por vezes, parece haver quase uma obsessão pela Matemática. É por essa razão que se elogia um 19 a Matemática e se considera pouco importante um 19 a Educação Física ou a Música?
Isso é mau. Atribuo a mesma importância a essas três disciplinas. Damos pouca importância às artes ou à Música. Por exemplo, a Música, é um instrumento poderosíssimo na educação, como são as Artes Plásticas. Isto tem muito a ver com o talento. Todos os miúdos têm um talento. Há uns que têm talento para jogar basquetebol, outros para a Matemática, para o desenho ou para a Música, e outros para escrever ou falar. Todos os miúdos têm, de uma forma ou de outra, um talento e é preciso despertá-lo, desenvolvê-lo e aproveitá-lo quer em termos da escola quer em termos da vida prática, nas empresas, nas organizações ou na vida pública. Já vi muitos jovens darem um grande contributo à sociedade, realizarem-se, serem felizes com o que fazem e serem 'apenas' um artista de Artes Plásticas que não sabe nada de Matemática, embora, as Artes Plásticas também precisem da Matemática, tal como a Música. Na formação nenhuma área deve ser desprezada, sobretudo se essa for a área de preferência do aluno.
Leia aqui a segunda parte da entrevista
A Educação continua com pouca estabilidade nas suas políticas, como recentemente se observou na passagem dos governos PSD para o PS. Identifica-se mais com o cunho de Crato, mais técnico e focado nas ciências, ou com o que agora está a ser defendido pelo actual ministro, aparentemente mais transversal, onde as ciências humanas recuperam importância?
Não me identifico com nenhum. Este debate de que foste tu, fui eu, parece- me completamente inútil e absurdo. Para mim, é incompreensível. Há 20 anos que defendo que devíamos ter um acordo na área da Educação. Deveríamos ter uma coisa a que chamei de pacto educativo e continuo a dizer que era bom que as forças políticas aderissem, em vez de andarem neste pingue-pongue, em que se acusam mutuamente e que a população olha com alguma perplexidade. É extraordinário como eles têm uma capacidade para saber quem foi... São pessoas com muitas certezas. Com a idade, tenho cada vez mais dúvidas e quando me aparecem pessoas com muitas certezas, duvido sempre. A formação científica tem o pressuposto da d&uacu
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