Opinião

Festival das Canções

1 mar 2019 00:00

O único risco que o caminho seguido pelo canal público eventualmente teria era o de não existirem criadores capazes de mudar o jogo e só poder convidar as versões mais jovens dos tais mesmos de sempre.

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O sucesso e revitalização do Festival da Canção nos últimos três anos diz muito sobre o que é hoje a música feita em Portugal. Pelo menos do ponto de vista da criação.

A ideia da RTP de chamar novos artistas, muitos deles (talvez a maioria) fora do mainstream - ou pelo menos do nosso mainstream clássico dos mesmos de sempre a fazerem as mesmas músicas de sempre – é muitas vezes descrita como “um risco” que acabou por compensar com a vitória internacional dos irmãos Sobral. Mas nada podia estar mais longe da verdade.

A ideia da RTP não é um risco. É isso sim, o reconhecimento de que alguma coisa mudou na produção musical em Portugal e que era preciso que essa mudança chegasse às massas. E chegou. Isto de se ver tudo o que vai contra o estabelecido é um risco é tão português como castrador.

A RTP decidiu um caminho e marimbou-se para esse fantasma do risco. E isso é serviço público.

No campeonato do dar às pessoas apenas aquilo que elas já conhecem, já consomem e dizem que os privados são reis. Deixem-nos ficar com esse reinado.

O único risco que o caminho seguido pelo canal público eventualmente teria era o de não existirem criadores capazes de mudar o jogo e só poder convidar as versões mais jovens dos tais mesmos de sempre.

Não é o caso. E se nas duas anteriores edições com este modelo isso já tinha ficado demonstrado, a edição do Festival da Canção deste ano está a servir para acabar de vez com qualquer réstia de dúvida.

É claro que ainda lá estão sombras do passado, ou daquele formalismo nacional-cançonetista com um bocadinho de cheiro a bafio, mas o equilíbrio é essencial para não alienar e manter uma parte dos espectadores atenta e receptiva ao novo, ao diverso, ao Conan e à Surma, à Mariana Bragada e ao NBC.

O porquê de alguns dos menos votados, ou mesmo alguns dos finalistas que não passaram em primeiro nas semi-finais, serem artistas com números esmagadoramente maiores de seguidores nas redes sociais, por exemplo, devia fazer-nos pensar que, se calhar, há mais coisas a mudar do que apenas o conceito do festival.

Aparentemente, para a generalidade do público que acompanha e vota a qualidade, a diferença, a força das canções é mais importante que o estatuto dos seus autores e intérpretes. E isso só pode ser bom.

Editor-in-Chief Vice Portugal