Sociedade

Foi vandalizado o sítio arqueológico Abrigo do Lagar Velho, no Vale do Lapedo

19 fev 2022 09:59

Sítio é património nacional e objecto de estudo e de escavação desde 1998

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Município repudia acções de vandalismo sobre espaço considerado tesouro nacional
Ricardo Graça/Arquivo

O sítio arqueológico Abrigo do Lagar Velho, localizado no Vale do Lapedo, em Santa Eufémia, foi recentemente alvo de acções de vandalismo, tendo a ocorrência sido comunicada à Direcção-Geral do Património Cultural e Direcção de Cultura do Centro, e formalizada queixa-crime à Guarda Nacional Republicana, informa a Câmara Municipal de Leiria.

Os danos, explica a autarquia, "foram infligidos sobre o denominado Testemunho Pendurado, reentrância localizada na parede de fundo do abrigo"

"O Município de Leiria repudia de forma veemente este inqualificável ato de vandalismo, que atinge um achado de extrema importância no concelho de Leiria e de relevância internacional. Durante a realização de visita guiada ao local no passado dia 06/02/2022, os técnicos do município identificaram raspagens e extrações indevidas, sendo notória a remoção de cerca de 10 centímetros de espessura do contexto arqueológico e a existência de inúmeros materiais arqueológicos espalhados na base pétrea que sustenta o Testemunho Pendurado e na cota de solo atual do sítio", prossegue a câmara.

Recorde-se que a investigação no Abrigo do Lagar Velho iniciou-se após a descoberta, em 1998, de fragmentos ósseos humanos, pertencentes a uma criança com cerca de cinco anos. O enterramento, feito há cerca de 29 mil anos, envolve a presença de uma mortalha tingida de ocre, elementos de adorno feitos com conchas e dentes de veado, e vestígios de carvões de pinheiro, o que deixa antever um cariz marcadamente ritual.

O estudo científico deste esqueleto veio revelar a presença de um conjunto de características anatómicas compósitas, correspondentes a Homo neanderthalensis e a Homo sapiens, o que sugeriu a então controversa hipótese de miscigenação entre estas populações, realça a autarquia.

"A sequência sedimentar identificada no Abrigo do Lagar Velho integra ocupações do Paleolítico Superior, com cronologias entre cerca de 30 mil a 20 mil anos. O Testemunho Pendurado, com cerca de 60 centímetros de espessura, preenche uma fissura estreita e alongada, na parede de fundo do abrigo cortada pela terraplanagem, e situada 1,2 metros a 3 metros acima da superfície artificial do terreno.

Os depósitos aqui existentes vieram a revelar contextos arqueológicos datados entre 26 mil e 24 mil anos. Foram identificados abundantes artefactos líticos, entre os quais uma ponta de face plana e dois fragmentos de folha-de-loureiro (artefactos considerados como fósseis-directores para o Solutrense médio), carvões, termoclastos e vestígios de peixes, anfíbios, mamíferos, répteis e aves.

Desde 2018 têm sido realizadas campanhas anuais de trabalhos arqueológicos no Abrigo do Lagar Velho, no âmbito do Projeto de Investigação O Abrigo do Lagar Velho e os primeiros humanos do extremo ocidental europeu, a ser desenvolvido pela Universidades de Lisboa e pela Direcção-Geral do Património Cultural. O Município de Leiria apoia este projecto de investigação, através da contratualização de consultoria técnica e prestação de apoio logístico às intervenções.

Monumento Nacional
Em 2013 o Abrigo do Lagar Velho foi classificado como Monumento Nacional  e o Vale do Lapedo como Zona Especial de Protecção. Em 2021, o esqueleto do Menino do Lapedo e artefactos arqueológicos associados foram classificados como bens de interesse nacional, com a designação de «tesouro nacional». Refira-se que este achado constitui um dos elementos predominantes da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura em 2027, precisamente pelo valor patrimonial, científico e histórico que representa para a história da evolução humana, salienta a autarquia.