Sociedade

Foi você quem pediu uma estátua?

29 set 2016 00:00

Leiria é uma cidade rica em estátuas, a de Rui Patrício será a próxima, mas que outras personalidades haverá no concelho que mereciam ser homenageadas com a mais eterna das consagrações e quais os critérios adoptados para a atribuir?

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Jacinto Silva Duro

Fomos saber a opinião do cidadão comum e elaborámos uma lista de “estatuáveis” de Leiria.

Na semana passada, o nome de Leiria andou nas bocas do País devido ao anúncio de que irá ser erigida uma estátua em honra do guarda-redes do Sporting Clube de Portugal e da Selecção Portuguesa de Futebol campeão no Euro 2016, Rui Patrício.

A justificação principal para que Carlos de Matos, um empresário há muito radicado em Paris, França, lançasse mão deste acto de mecenato para com a cidade natal de ambos, prende-se com o facto de o título que Rui Patrício ajudou a Selecção a ganhar - e a sua exibição no jogo – ter contribuído para que os emigrantes passassem a ser olhados, por terras gaulesas, como “cidadãos de primeira e não de segunda”.

“Estou em França desde 1969 e nunca senti a igualdade como agora”, sublinha. O guarda-redes teve ainda o condão de levantar, a nível nacional, uma discussão sobre quais as personalidades e o calibre dos feitos que merecem ser consagrados com uma estátua. Convenhamos, conjuntos escultóricos dedicados ao desporto não são, como é bom de ver, uma novidade.

O Discóbolo de Miron, foi esculpido por volta de 455 a.C., cerca de 300 anos depois do início das competições na Grécia antiga. Aliás, os atletas tinham, rezam os relatos de Heródoto e outros autores da Antiguidade, o estatuto de verdadeiros heróis, semideuses, naqueles tempos. Na contemporaneidade, com mais e menos polémica há casos de outros “estatuados”.

É o caso do atleta e primeira medalha de ouro portuguesa na maratona olímpica Carlos Lopes, o antigo treinador do Manchester United Alex Fergusson, o basquetebolista Michael Jordan e os futebolistas Cristiano Ronaldo, Pelé, Eusébio e Carlos Valderrama, entre muitos outros. Em comum, está o facto de haver quem considere que estes atletas se destacaram e se colocaram em evidência de tal modo que merecem a mais duradoura das homenagens conhecidas.

Ocupam um lugar imorredoiro ao lado de poetas, militares, reis, escritores e políticos. Não é à toa que se diz que se imortaliza os feitos de alguém, com uma estátua. O carácter semieterno de tal homenagem é, inquestionavelmente, uma das condições que, no momento de a fazer, é levada em conta, tal como a adequação do tributo ao feito do homenageado.

Critérios para homenagens
Desengane-se se pensa que é fácil ter uma estátua com a sua efígie. Além de, forçosamente, ter sido o autor de um acto de valor o município de Leiria e os outros da região, que o JORNAL DE LEIRIA contactou, apenas concede tal homenagem em “circunstâncias excepcionais”, sendo de liberadas em reunião de Câmara, com o objectivo de distinguir personalidades ou instituições que, pela sua acção, contribuem para o desenvolvimento do concelho e sua promoção.

Fonte da autarquia de Leiria refere que o Município possui um Regulamento da Medalha da Cidade e que os critérios são semelhantes. “A proposta terá de ser apresentada em reunião da autarquia pelo vereador responsável pelo respectivo pelouro e é deliberada neste órgão.”

Segundo a Câmara, a atribuição da Medalha de Ouro do Município ao guarda-redes Rui Patrício é justificada não só pelo desempenho deste atleta natural do concelho de Leiria no campeonato da Europa de futebol, mas também “pela sua carreira desportiva, em que se tem afirmado como um atleta de excelência e um digno representante dos valores do desporto, mas também da identidade do concelho.”

Como foi o empresário Carlos de Matos a oferecer a estátua, coube-lhe naturalmente a escolha do artista, mas a localização ficou nas mãos da autarquia que, muito naturalmente, optou pela zona desportiva.

Já a Câmara de Pombal, a título de exemplo, embora já há muito tempo que não ergue esse tipo de homenagem, deixa o assunto nas mãos do Executivo Municipal. “A proposta vai a reunião onde é discutida de acordo com vários critérios, como a localização , pertinência, valor artístico, entre outros”, refere Alexandra Serôdio, porta-voz da autarquia.

O presidente da Câmara da Batalha, por seu turno, revela que o processo de homenagem a personalidades no município se encontra regulamentado através do Regulamento de Atribuição de Medalhas Municipais. Paulo Batista dos Santos explica que a possibilidade de atribuição de estátuas ou a atribuição de um nome a um equipamento municipal, é uma decisão da competência da Câmara ou por imposição legal.

“Nas últimas duas décadas, registouse na Batalha, apenas na edificação da estátua ao mestre canteiro Alfredo Neto Ribeiro.” O autarca aponta ainda a atribuição do nome José Travassos Santos à biblioteca municipal e o baptismo da antiga Câmara como edifício dos Herdeiros do Dr. José Maria Pereira Gens.

De Eça de Queirós à beirã que amava Leiria
Para este artigo, pedimos a várias pessoas de Leiria, de vários sectores da sociedade que elegessem alguns nomes de leirienses cujo valor e obra devessem ser imortalizados através de uma estátua.

As respostas foram díspares e vão da banda fenómeno Silence 4, a várias personalidades, mais e menos conhecidas, da vida pública da cidade, embora, à vista desarmada outros nomes, mais marcados pelo tempo e pelos feitos, se pudessem igualmente destacar.

A lista não é extensa e se Eça é recordado por ter escrito o Crime do Padre Amaro, em Leiria, cidade que o escritor não amava e onde situa a acção do drama, não podemos esquecer o transmontano Miguel Torga, ou melhor, o médico Adolfo Correia da Rocha, que escreveu Os Bichos quando tinha consultório em Leiria, a dois passos do centro histórico.

Nem poderemos esquecer Amélia Pais, pedagoga e especialista em literatura portuguesa, beirã de nascimento e leiriense de coração. E o que dizer de Jorge Estrela, historiador da arte, artista e micólogo, último barão do Salgueiro que nasceu em Angra do Heroísmo, mas que se tornou numa figura querida da cidade?

Ou ainda do leiriense José Hermano Saraiva que até já teve uma praceta à sombra de frondosos plátanos no Jardim da Vala Real, mas que viu o espaço ser encimentado e transformado em pilar da controversa ponte pedonal D. Dinis, estando agora escondida a referência e a ligação do espaço à figura do historiador, ex-ministro e professor universitário.

A lista é curta, pois não caberiam nas páginas deste jornal o nome dos leirienses que merecem uma homenagem pela sua obra.

 

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