Sociedade

Há vida além da escola

1 mar 2018 00:00

Se há alunos que passam pela escola sem qualquer preocupação, muitas vezes com os pais a serem coniventes na postura de alheamento, também há os que são pressionados desde cedo a terem bons resultados e mesmo a serem os melhores.

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Aos 8 anos já tinha explicações. Agora, no 5.º ano, obter nota 5 a todas as disciplinas é o seu principal objectivo. As dores de barriga, o sistema imunológico em baixo e o stress passaram a ser uma constante. As brincadeiras foram substituídas por horas de explicações. “Agora já não está na moda ser rebelde. Temos de ser os melhores.” O desabafo foi feito por uma aluna e retrata o que se passa em muitas escolas de Portugal. A escola é o espelho da sociedade.

Esta pode ser uma verdade La Palisse, mas é uma realidade. A competitividade que se vive na sociedade transpôs os muros dos estabelecimentos de ensino e a luta pela nota mais alta e em mostrar que se é melhor passou também a fazer parte da vida de muitos estudantes.

Desengane-se quem pensa que a exigência que pais, professores e os próprios alunos se obrigam é apenas no ensino secundário, onde cada décima pode fazer a diferença para se entrar no curso pretendido no ensino superior.

A pressão para se ser o melhor começa logo no 1.º ciclo. “Essas problemáticas são muito frequentes na infância e na adolescência. A entrada em qualquer fase de avaliação é potencialmente causadora de ansiedade. Diria, neste caso, ansiedade positiva que muito facilmente se transforma em ansiedade negativa”, afirma Paulo Costa.

O psicólogo especialista em crianças e adolescentes admite que estas situações, se não forem bem geridas, podem levar o jovem ao médico ou até à urgência hospitalar. Falta de apetite ou voracidade alimentar, alteração do padrão do sono, ataques de pânico, ficar demasiado reactivo e entrar em conflito constante com os pais, perturbações emocionais ou até perder a locomoção são algumas das somatizações manifestadas pelos jovens que sucumbem à pressão.

Paulo Costa recorda uma jovem que deixou de andar. Foi ao hospital, realizou vários exames e fisicamente estava tudo bem. “Era ansiedade”. São vários os casos relacionados com a incapacidade de saber gerir a pressão com a escola que chegam às consultas de psicologia.

Perturbação obsessiva ou compulsiva é uma das situações que podem aparecer e que afectam um jovem do secundário, que está a ter acompanhamento psicológico. “Associado a um estilo muito rígido e ao facto de ser muito perfeccionista e querer controlar tudo tornou-se obcecado com determinados rituais. Se vai fazer um exame tem de levar as mesmas calças ou os mesmos sapatos que anteriormente lhe deram sorte. O problema é que este tipo de obsessão vai redundar noutro tipo de mecanismos primitivos”, constata.

O seu dia-a-dia começa a ser influenciado por estes rituais. As actividades que possuía foram reduzidas “porque lhe retiram tempo de estudo” e só as faz mantendo o mesmo tipo de rituais. Desta forma, “não está a tirar partido de algo que até é prazeroso”.

A escola é um local para adquirir conhecimento, onde aprender deve ser um prazer e onde cada criança e jovem devem usufruir dos momentos de camaradagem, amizade, convívio e troca de experiências. No entanto, actualmente, isso vive-se pouco, lamenta Cristina Marques. A psicóloga do Agrupamento de Escolas Domingos Sequeira, critica a competitividade desenfreada dos jovens, que os faz esquecer, por vezes, o seu lado humano, e aproveitar a vida.

“Temos as metas e os rankings, que são a maior anormalidade. O aprender por aprender, para adquirir conhecimento praticamente não existe. Tudo é feito com o objectivo de alcançar as metas. Há a pressão para entrar na universidade e os pais que querem mostrar ao vizinho as notas dos filhos”, adianta Cristina Marques, criticando o facto das notas estarem “hiper mega valorizadas”.

Segundo refere, “nem sempre há a preocupação em olhar e ver se o filho sabe partilhar, se é ‘humano’, se tem amigos, se colabora nas tarefas em casa ou se tem projectos futuros”. “Ele até pode não ter nada disto, mas se tiver 18 e 19, o futuro está garantido.” Os psicólogos constatam que os pais “exercem muita pressão sobre os filhos”, alguns “mesmo sem se aperceberem”.

Cristina Marques revela que há estudantes que “desatam num pranto” quando tiram 17 ou 18 valores. “São as tais metas, a excelência que têm de ter na produção. Não interessa se somos bons ou maus colegas.”

Paulo Costa acrescenta que são jovens “perfeccionistas” e que têm pais “que impõem esse tipo de metas ou exigência”. “Isto revela alguém que é até incorrecto na forma de apreciar o seu desempenho e não saberá certamente gerir emoções noutras áreas. Comparativamente com outros alunos que se satisfazem com uma nota mais baixa até é bastante feio”, diz o psicólogo, salientando que por trás destes estudantes estão quase sempre “pais que são muito rígidos, altamente coercivos e a trabalhar para os resultados, o que vai interferir no funcionamento dos miúdos e depois não sabem gerir isso”.

É pela procura incessante do sucesso que excelentes alunos procuram apoio extra. Cristina Santos, explicadora de Físico-Química, admite que a maioria dos estudantes que a procuram são precisamente aqueles que têm notas superiores a 16. “A pressão é grande porque têm de obter médias e os alunos de Ciências são aqueles que maior pressão sofrem. A carga lectiva é grande e ainda a reforçam com explicações de Matemática, Físico-Química e Biologia, as disciplinas de exame. Alguns ainda têm também inglês nos institutos de línguas.”

A docente considera que a carga horária é “muito grande” e muitos “não fazem mais nada no seu tempo livre além de estudar”. “É preciso uma maturidade muito grande. Por um lado, os pais fazem com que sejam pequenos mais tempo, protegendo-os, mas, por outro, as notas pressionam-os noutro sentido e são obrigados a crescer à força”, salienta.

Cristina Santos evidencia a diferença que existe entre o ensino básico e o secundário. “Quando chegam ao 10.º ano, os alunos são confrontados com uma maior exigência e não têm hábitos de trabalho. Falta-lhes alguma maturidade, o que leva a que alguns, confrontados com essa discrepância, no primeiro período, mudem de área.”

Nas explicações, constata que são as raparigas quem mais sofre com as notas. “Andam tristes, parecem deprimidas porque não conseguem atingir os objectivos. As matérias são cada vez mais difíceis e começam a ter dificuldades em dormir, estão muito ansiosas e algumas recorrem a medicamentos, como vitaminas ou o Valdispert [tranquilizante à base de extrato de

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