Viver
João Gaspar: “A música clássica não é aborrecida”
Compositor e trompista
Como foi que surgiu a composição na sua vida?
Surgiu da necessidade. Comecei por fazer alguns arranjos musicais e criei projectos artísticos com o intuito de estimular os jovens a continuar a "fazer música". Criei, por exemplo, um ensemble de metais na Filarmónica das Chãs que fez uma digressão em 2014. Tinha como objectivo motivar os jovens da minha banda a manterem-se ligados ao mundo da música com um trabalho artístico diferente, daquilo que uma “filarmónica normal" faz, com concertos específicos e repertório adaptado para metais. Foi a partir desse trabalho que comecei a desenvolver a escrita da música. Entretanto, o contacto com toda uma linha de compositores levou-me a interessar por escrever peças minhas com o propósito de dar material aos meus alunos, que fosse ajustável às suas necessidades, mas também às suas limitações. Percebi que havia uma falta de repertório em determinados níveis de ensino e continuei a compor. Em 2017, convidaram-me a criar um projecto que pudesse divulgar instrumentos musicais...
Foi assim que surgiu a Vila Compasso?
Sim. É o meu primeiro "produto musical". Foi escrito para dez instrumentos e é um espectáculo com cerca de 45 minutos. A partir daí, comecei a ter encomendas e a ser convidado para fazer mais arranjos e escrever obras originais, sobretudo na Força Aérea, onde sou músico. Este ritmo de escrita leva-nos a aperfeiçoar o que queremos. É complicado escrever no papel ou no computador e, sem experiência, termos noção de como as peças irão soar. Quero que os jovens apareçam nos espectáculos, em certos auditórios e espaços de qualidade, para criar hábitos.
Homenagem ao músico filarmónico
João Gaspar, 29 anos, é natural da freguesia de Regueira de Pontes (Leiria).
Explica que passou boa parte da infância na aldeia das Chãs, onde aprendeu música e fez parte do seu percurso na filarmónica. Quando terminou o ensino secundário, matriculou-se na Academia Nacional Superior de Orquestra, na Orquestra Metropolitana de Lisboa, e lá continuou os estudos.
Após a licenciatura, concluiu um mestrado em Ensino da Música. Em 2015, ingressou na Banda de Música da Força Aérea Portuguesa.
No final do ano passado, compôs a peça A Metamorfose de Orfeu, uma homenagem ao músico filarmónico, para a Sinfónica de Leiria, que estreou, no início do mês, no concerto de Ano Novo da Associação das Filarmónicas do Concelho de Leiria.
É mesmo verdade que Leiria é uma “cidade da música”, onde toda a gente tem uma ligação directa ou familiar, com essa forma de arte?
Do ponto de vista internacional, Leiria ainda não se consegue afirmar como cidade da música. É uma cidade criativa..., contudo, não temos tradições antigas em disciplinas como a composição ou sequer temos uma orquestra com grande tradição, ao contrário de cidades alemãs ou austríacas. Porém, na perspectiva de ligações indirectas e familiares, em Portugal, poderse- ia dizer que Leiria é um território muito ligado à música. Só o concelho de Leiria tem 11 bandas filarmónicas e Alcobaça é a incubadora de grandes músicos portugueses: Sérgio Carolino, na tuba, Hugo Assunção e Paulo Cordeiro, no trombone, Mário Marques, no saxofone, Hugo Trindade... Daniel Bernardes. É uma incubadora ligada à Banda de Alcobaça. As bandas foram, desde sempre o ponto de iniciação da maior parte dos músicos e se lhes adicionarmos os conservatórios e as escolas oficiais... Leiria é a cidade do David Fonseca, da Catraia, da Surma... parece que há um ambiente fervoroso que leva as pessoas a procurarem a música como meio profissional. É desejável que as estruturas tradicionais se comecem a adaptar e a cativar jovens, talvez até através destas figuras.
Em 2021, assim que a pandemia o permitir, vai gravar um disco...
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