Opinião

A nossa casinha

5 fev 2018 00:00

Já perdi a conta às vezes que o meu gosto e a minha improvável “profissão” de roqueiro (ou Metaleiro, como quiserem) foi posta em causa ou diminuída.

Semanalmente, os jornais, sites e publicações de música nacionais passam um atestado de óbito ao Rock.

Quando ele não morre, desaparece das suas publicações ou leva um carimbo diferente: de nicho de mercado, ler como uma coisa ultrapassada, para gente “fatela” e “burra” que não consegue aceitar nem compreender a ascensão da "Afro Lisboa", ou dos novos poetas eléctricos, ou do novo rock das caves e garagens lisboetas de gente desafinada, feia e sem talento.

Quando a maior banda de Metal do Mundo homenageia o melhor Rocker de sempre de Portugal, só temos de celebrar esse gesto e rendermo-nos à evidência de que o Rock, afinal, é uma familia, sentada à mesa, a comer com as mãos, a beber da garrafa e a abanar a cabeça.

Que nojo, pensarão os editores de Lisboa, os cronistas de todo o peido que a Madonna dá (e com quem) e se o vai samplar no seu próximo disco. E enquanto continua esta evidente sobranceria, o nosso Rock vai desbaratando teorias de losers e wannabes das pistas de dança do Lux, com números e emoções indesmentíveis.

Porque o que custa a esta gente da música domesticada, é a nossa capacidade para sermos ingênuos o suficiente para pensarmos que o que os Metallica fizeram foi simplesmente lindo.

De chorar a pensar que a banda que ouvíamos entre as quatro paredes do nosso quarto pequeno dos subúrbios com os nossos dez amigos lá dentro, teve um gesto do caraças e mostrou toda a sua humanidade, calando todos quanto só já discutiam a especulação dos preços e a morte de um estilo que encheu, outra vez, a arena de todas as negociações.

O cinismo e o snobismo têm, de facto dominado a imprensa alternativa em Portugal. O pouco espaço nos jornais é usado para realçar coisas que no meu tempo nem se deixariam entrar em estúdio.

As colunas de intelectuais e musicólogos são, na sua maioria, um exercício onanista, desligado de qualquer tentativa de passar conhecimento, sugerir, melhorar a vida musical dos seus leitores.

Em bom Português eles odeiam que as pessoas ouçam música e que sintam emoções através de bandas que vendem milhões e que eles humilham nas suas crónicas pagas.

Porque acotovelarmo-nos num concerto de Metallica não é o mesmo que ir a um festival e encher o pescoço de passes laminados dados pelos sponsors.

Ir a um concerto dos Metallica é ir também ver o que passa, reencontrar amigos, dizer mal da banda, porque não, há muita gente que foi, que já nem ouve Metallica desde o fim dos anos 80.

No entanto, esteve lá, e esse estar lá é algo muito próprio do Rock, e que, ao contrário do que se escreve por aí, é a sua força, a força da presença. Da noção da importância de ter lá estado.

Em Lisboa, quando se fez a homenagem ao Zé Pedro (que bem a merece porque não olhou o Metal de lado e bem nos cruzámos em muitos dos concertos dos californianos), escreveu-se um momento que nunca se esquecerá: História. Ponto final, metal up your ass! Eu não estive lá. Continuo na estrada, hoje na Alemanha, a viver em pleno da coisa morta do Rock.

À distância, tenho vergonha do que se escreve sobre o Rock em Portugal. Apetece-me dizer coisas más, impublicáveis. Mas o Rock é magnânimo e perdoa a ignorância porque é a única música que não tem vergonha de ser o que é e os fãs sabem disso.

E enquanto a Madonna entretem os saloios de Lisboa até se fartar de Lx e se pirar; enquanto o kizomba invade as rádios e se prepara, a preço de ouro, a desforra Eurovision em Lisboa; no mundo real os Metallica encheram o Pavilhão, tocaram Xutos, nós por cá, bem obrigado,

Europa com salas esgotadas, dezenas de bandas de Metal a fazerem o mesmo, por todo o mundo.

O mundo: a nossa casinha.

*músico e líder dos Moonspell