Sociedade
Pedrógão Grande: Tribunal da Relação confirma absolvição dos arguidos no processo dos incêndios
Em causa estavam crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves

O Tribunal da Relação de Coimbra confirmou hoje a absolvição dos 11 arguidos do processo dos incêndios de Pedrógão Grande, no qual o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Numa nota do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) enviada à agência Lusa, lê-se que foi negado provimento aos recursos interpostos, mantendo-se a deliberação do Tribunal Judicial de Leiria, de 13 de Setembro de 2022.
Nesse dia, o colectivo de juízes da 1.ª instância absolveu o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição, actual E-Redes (José Geria e Casimiro Pedro), e três da Ascendi (José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota).
A absolvição estendeu-se aos ex-presidentes das câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente, assim como ao atual presidente do Município de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu.
O antigo vice-presidente do Município de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal desta câmara, Margarida Gonçalves, foram, igualmente, absolvidos.
Em causa estavam crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves.
Na nota, o TRC revela que “foi deliberado negar provimento a quatro recursos interlocutórios interpostos” pelo Ministério Público (MP) “e não tomar conhecimento de um outro, por inutilidade”.
“Foi ainda deliberado negar provimento aos recursos interpostos do acórdão absolutório” pelo MP e pelos assistentes, “mantendo-se a decisão recorrida”, refere a nota relativa ao acórdão, este com 882 páginas.
Os incêndios de Pedrógão Grande, no norte do distrito de Leiria, deflagraram na tarde de 17 de Junho de 2017.
Segundo o despacho de acusação do MP, os fogos de Escalos Fundeiros e Regadas, naquele concelho, foram desencadeados por descargas elétricas de causa não apurada com origem na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, da responsabilidade da antiga EDP Distribuição, em troços junto aos quais os terrenos estavam desprovidos de faixa de protecção e onde não tinha sido efetuada a gestão de combustível.
Estes dois incêndios acabaram por se juntar, ao final do dia, num processo designado de “encontro de frentes”, que conduz a um mecanismo de comportamento “extremo de fogo”, e unificado, progrediu “com grande rapidez e intensidade”, chegando à Estrada Nacional (EN) 236-1 (onde foi encontrada a maioria das vítimas mortais) e a outros locais de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, os concelhos mais fustigados, de acordo com o MP.
A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava esta via, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior, à qual cabia proceder à gestão de combustível.
O Tribunal Judicial de Leiria, que concluiu pela absolvição dos arguidos, hoje mantida pelo TRC, não deu como provado que os dois incêndios tenham sido desencadeados por descargas elétricas, nem que junto aos troços da linha de média tensão onde aquelas ocorreram os terrenos estivessem sem faixa de proteção.
Para este tribunal, não se provou também que as mortes e os feridos “tenham resultado, por ação ou omissão, da conduta de quaisquer dos arguidos”, de acordo com uma nota divulgada na ocasião.
Por outro lado, considerou provado que, “resultante da combustão de elevada carga de material combustível e muito inflamável, e encontro de frentes de fogo, se verificou” a criação de uma “coluna convectiva/outflow convectivo, com aumento de projeções e aumento de velocidade de propagação do fogo e formação de tornados de vento e tornados de fogo”.
Ainda segundo a 1.ª instância, ao início da noite do dia 17 de junho, na zona da EN 236-1, “verificou-se o colapso da descrita coluna convectiva do incêndio/‘downburst’”, o que resultou “numa ‘chuva’ de projeções e gerou vento de grande intensidade que, transportando partículas de fogo e incandescentes, após atingir o solo, soprou de forma radial em todas as direcções, com velocidades da ordem dos 100 a 130 quilómetros/hora”.
Os juízes consideraram que esta situação apresentou “valores de intensidade do fogo (radiação) da ordem dos 60.000” quilovolts/metro, além da longitude da chama até 80 metros, com temperaturas da ordem dos 900 a 1.200 graus Celcius, e fumo denso que anulava a visibilidade”.
“Mais resultou provado que a generalidade dos óbitos verificados, designadamente na EN 236-1, e das lesões físicas sofridas foram consequência directa do outflow convectivo e/ou do downburst verificado”, explicou a nota de imprensa, assinalando que este foi “um fenómeno pirometeorológico extremo, raro e imprevisível”.