Sociedade

Professores cansados e desmotivados arrastam-se para as salas de aula

20 jun 2019 00:00

Cansaço, exaustão emocional, desgaste, desmotivação ou desencanto são algumas palavras que definem o estado de espírito de muitos professores.

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A desvalorização a que a profissão tem sido sujeita nos últimos anos, as alterações sistemáticas nos currículos, o aumento significativo da burocracia ou o congelamento das carreiras têm contribuído para professores à beira de um ataque de nervos.

Por muito que se esforcem, há docentes que não conseguem esconder a falta de vontade de estar numa sala de aula e, em alguns casos, são os alunos que sofrem as consequências, com professores menos disponíveis.

Aliado a tudo isto, o corpo docente está envelhecido, as ausências por doença aumentam, não se faz a passagem de testemunho e os cursos de docência têm cada vez menos candidatos. Quem quer ir para uma profissão que não tem o reconhecimento devido e, muitas vezes, quase tem de pagar para trabalhar, tendo em conta a colocação a centenas de quilómetros de casa?

Este é o retrato que tem vindo a ser revelado por sindicatos, investigadores e professores. No último congresso da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), o seu programa de acção para os próximos três anos denunciava que um dos cursos de formação de professores do País não teve um único candidato este ano lectivo, outro teve apenas uma candidatura e do total de 21 cursos superiores nesta área, mais de metade (12) não chegou aos dez alunos.

Nos próximos anos sairão mais de dez mil professores para a reforma. Isabel Flores, investigadora do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, acrescenta que “raros são os professores com menos de 35 anos (apenas 700 professores por todo o país e do pré-escolar ao secundário), o que significa que nos últimos dez anos não entrou quase ninguém na profissão”.

Um estudo liderado pela investigadora Raquel Varela para a Fenprof, em 2018, já apontava que 75% dos docentes exerciam a actividade em situação de exaustão emocional, sendo que 24% apresentavam mesmo sinais críticos ou extremos.

Paulo Guinote, docente e autor do blogue O meu Quintal, não tem dúvidas de que toda a instabilidade que os docentes têm vivido contribui para alguma "falta de paciência" para com os alunos e um “cansaço” que retira a vontade de ir dar aulas.

“A docência tornou-se uma espécie de labirinto, do qual não se entrevê saída. O desânimo impera, assim como a sensação de desamparo e abandono pela tutela, que apenas elogia e valoriza os professores se eles aplicarem acriticamente os seus normativos, que são produzidos em catadupa e, muitos, com evidentes falhas técnicas e inadequação ao quotidiano escolar.”

Menor disponibilidade mental

Além disto, o envelhecimento do corpo docente tem influência nas aulas, nomeadamente, uma “menor disponibilidade mental e de tempo dos professores para corresponder às necessidades dos alunos, por muito que se faça para minorar tal efeito”.

“Mas há que perceber que grande parte da pressão sobre os professores resulta da combinação das suas funções tradicionais com outras de tipo burocrático e outras que em tempos seriam impensáveis (distribuir chaves de cacifos, recolher manuais, distribuir folhetos da oferta educativa de outras escolas, etc)”, alerta Paulo Guinote.

Para este professor, são funções “incompatíveis com o trabalho qualificado dos docentes”, que os “obriga a um dispêndio de tempo assinalável”, com “efeitos negativos na sua disponibilidade total para os alunos”.

José Vitorino Guerra, professor de História do ensino secundário, em Leiria, também admite uma “grande desmotivação” da classe, onde a “única coisa que os faz manter de pé é a sua dignidade profissional”.

Sem querer falar pelos colegas, o docente afirma que, no seu caso, procura que o “desencanto” que sente não se reflicta nos alunos. “Procuro manter uma certa dignidade e qualidade em relação aos alunos. Mas, estamos a falar de um grupo social envelhecido, que não é muito prestigiado, situação na qual também tem culpas.”

Os docentes estão “assoberbados de tarefas burocráticas”, mas “o professor não é um administrativo”, realça José Vitorino Guerra, salientando que “ao empobrecer o discurso científico e técnico - até nas Humanidades – está-se a gerar uma situação preocupante em termos de futuro”.

Com 41 anos de docência e 66 anos de idade, o professor admite que não vai para a escola “com o mesmo entusiasmo” de tempos idos, mas não em relação aos alunos. “Estamos num País em que as reformas se sucedem umas atrás das outras sem ninguém fazer a avaliação da anterior. Descentrou-se completamente o ensino do processo de rigor e de qualidade nas aprendizagens. A conversa que mais ouço entre professores é: ‘quando é que tu te reformas’? Isso é sinal de que alguma coisa não está bem. Ninguém quer deixar uma profissão onde se sente recompensado.”

Talvez por isso, 84% dos professores afirmem que, se pudessem, se aposentariam já. Tendo em conta o nível etário infere-se que os docentes com 40 ou mais anos (85,5% do total) desejam, quase todos, reformar- se. “É um sintoma grave do que hoje se vive na profissão. Não é normal que o principal desejo dos que nela se encontram seja sair”, reforça a Fenprof.

Desgaste e cansaço

Maria José Franca, professora de Português em Leiria, pôs um ponto final na carreira. “Estou muito cansada. São 44 anos e dez meses de docência. Aproveitei uma janela de oportunidade e vou reformar-me com 65 a

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