Sociedade

Valdemar Alves pode ser julgado à parte pelas mortes em Pedrógão Grande

2 jul 2020 19:21

Tribunal da Relação tira presidente da Câmara do processo dos incêndios, mas Ministério Público pode extrair certidão

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Tribunal da Relação deliberou não levar a julgamento Valdemar Alves
Ricardo Graça/Arquivo

O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu não levar a julgamento o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, no processo em que se apuram responsabilidades criminais pelas 66 mortes e cerca de 250 feridos resultantes dos incêndios deflagrados em Junho de 2017.

Valdemar Alves não tinha sido alvo da acusação do Ministério Público de Leiria, mas, na fase de instrução, uma familiar de várias vítimas requereu a sua pronúncia por sete crimes de homicídio por negligência.

O juiz de Instrução de Leiria entendeu que havia indícios suficientes para levar o autarca a julgamento.

No entanto, o recurso para o TRC levou os juízes desembargadores a decidir a favor do presidente, por falta de legitimidade do requerimento apresentado pela assistente.

A decisão do tribunal superior pode não significar que Valdemar Alves passará ao lado do processo.

No recurso apresentado pelo Ministério Público à Relação de Coimbra, a procuradora Ana Simões questionava a legitimidade daquele requerimento pela assistente, mas assumia que havia “indícios suficientes da prática de crime por Valdemar Alves”.

"O MP irá, oportunamente, requerer a extracção de certidão dos presentes autos, para instauração de inquérito contra o mesmo", referia a procuradora no seu recurso a que o JORNAL DE LEIRIA teve acesso.

Também Ricardo Sá Fernandes, a representar uma assistente, acredita que o presidente do Município de Pedrógão Grande será julgado em processo autónomo.

Em declarações à Lusa, o advogado esclareceu que, na abertura da instrução, apresentou documentação que comprovava que o presidente da Câmara de Pedrógão Grande não tinha delegado as competências relacionadas com as faixas de gestão de combustível como invocava que tinha delegado e o MP "não teve acesso a essas provas e, por isso, não acusou".

"Estou convencido de que o presidente da Câmara de Pedrógão Grande irá responder, só que num processo autónomo", disse.

A decisão do TRC para deixar Valdemar Alves de fora do processo é sustentada no facto de os familiares da assistente terem morrido na estrada nacional 236-1, cuja gestão de faixa de combustível é da responsabilidade da Ascendi e não do município de Pedrógão Grande (que responde por mortes em estradas municipais).

"Não tendo a assistente relação com as vítimas mortais por cujos homicídios por negligência pretende ver pronunciado o recorrente [Valdemar Alves], carece de legitimidade para requerer a instrução", lê-se no acórdão a que o JORNAL DE LEIRIA teve acesso.

O acórdão alterou ainda a decisão do juiz de Instrução em relação ao antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande.

José Graça tinha ficado de fora do julgamento, mas o TRC entende que tinha responsabilidades, enquanto vereador, em “coordenar a limpeza das faixas de gestão de combustíveis das vias da responsabilidade do município, dando instruções a quem no terreno se incumbia da execução material de tal tarefa”.

“E resulta também claro, sobretudo das declarações do arguido José Graça, que este tinha pleno conhecimento de que as faixas de terreno que ladeavam as vias em questão, com a largura de dez metros, que deviam ser limpas, como forma de gestão dos combustíveis nelas existentes”, sustentam os juízes desembargadores.

“Vamos analisar o conteúdo do acórdão com atenção e o respeito que nos merece qualquer decisão judicial, mas sempre na intransigente defesa dos superiores interesses do nosso cliente, o qual ficou naturalmente abalado com o conteúdo do acordão, mas com a serenidade própria de quem se considera inocente”, afirma Belmiro Fonte, advogado de José Graça.

O TRC confirmou ainda a decisão do juiz de Instrução de não pronunciar o comandante distrital de operações de socorro de Leiria à data dos factos, Sérgio Gomes, e o segundo comandante distrital à data, Mário Cerol, que tinham sido acusados pelo Ministério Público.

“Não vemos que o arguido, por acção e/ou por omissão, tenha desrespeitado qualquer regulamento ou as leges artis do combate ao fogo, ou que não tenha, nas concretas circunstâncias, actuado com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, e que por assim agir, directa e necessariamente, tenha causado os resultados verificados”, refere o acórdão sobre os dois ex-comandantes.

Assim, vão a julgamento neste processo os então presidentes dos municípios de Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, Fernando Lopes e Jorge Abreu (que se mantém no cargo), respectivamente, José Graça, e a antiga engenheira florestal do município Margarida Gonçalves, o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, o sub-director da área comercial da EDP, José Geria, o sub-director da área de manutenção do Centro da mesma empresa, Casimiro Pedro, e três responsáveis com cargos na Ascendi Pinhal Interior: José Revés, António Berardinelli e Rogério Mota.

Reconstrução das casas
Julgamento inicia-se em Setembro
O julgamento do processo sobre a reconstrução das casas de Pedrógão Grande que arderam no incêndio de 2017 inicia-se no dia 21 de Setembro.
Segundo uma nota de imprensa do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, o processo irá decorrer no auditório da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Politécnico de Leiria, devido ao “elevado número de intervenientes processuais e às exigências de higiene e segurança destinadas a minorar a possibilidade de infecção pelo vírus SARS-CoV-2”.
No processo estão acusadas 28 pessoas, das quais três pedirama abertura de instrução. Em Março, a juíza de Instrução doTribunal de Leiria deliberou levar a julgamento o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, acusado de vários crimes no processo de reconstrução das casas.
Além do autarca, também pediram a abertura da instrução o ex-vereado Bruno Gomes e o construtor civil João Paiva.
Todos vão ser julgados em tribunal colectivo.
Valdemar Alves e Bruno Gomes vão responder por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada, os mesmos crimes de que estavam indiciados na acusação do Ministério Público.
Já João Paiva está acusado de um crime de burla qualificada e outro de falsificação de documentos.