Opinião

40 anos de acne juvenil

11 dez 2015 00:00

Por amor. Por amor faz-se tudo, até deixar que nos mandem ser outros. O optimismo de deixar uma herança em forma de filho salvador há-de ser, presumo, uma boa alavanca. Mas não sei.

Uma rapariga, com a intenção de me vender algo, abordou-me num centro comercial.

"- Ora muito boa tarde, o senhor trabalha?

- Depende do que considera trabalho mas em princípio não.

- Está desempregado?

- Não. - Estuda? - Não (sendo também debatível).

- Então faz o quê?! (pergunta ela com cara de - 'na formação disseram-me que as perguntas serviam para toda a gente').

- Ando aqui." Ela não disse mais nada mas eu ouvi um: "a fazer o quê?" e depois ouvi-me a dizer: "não sei, ando aqui andando?" A indignação dela não me assustou, o meu desapego também não, encontrei o limbo, encontrei-me no eixo onde está o que a minha vida podia ter sido e o que ela ainda pode ser. A cisão evidente com esta forma civilizacional é o caminho mais penoso, mais ingrato, mais livre e algumas vezes não facilmente suportável no sentido em que não é difícil de desistir.

Por falta de congruência ou por falta de audiência, um indivíduo da Marinha Grande com tempo para pensar não encaixa na tradição proletário- -auto-ilibada-à-força e a missão de dizer coisas parece cada vez mais fútil além de, evidentemente, presunçosa. Dum lado está o orgulho do labor, do outro está a ânsia de ter um telefone novo de dois em dois meses. No meio está o tempo gasto em esperar pela reforma. Não é um cenário muito esperançoso de se observar, por mais subjectivo que seja, mas eu, para tudo o que é tudo, vivo na minha cabeça e quando chove, chove muito. Quando faz sol, chove pouco.

Amanhã faço quarenta anos e prometo que não sei o que isso significa quando colocado de par em par com os quarenta anos que vejo por aí, quase felizes na sua paterna e maternidade, embaraçados em projectos sugeridos por delegações de delegações de departamentos de subdepartamentos de multinacionais.

Por amor. Por amor faz-se tudo, até deixar que nos mandem ser outros. O optimismo de deixar uma herança em forma de filho salvador há-de ser, presumo, uma boa alavanca. Mas não sei. Às vezes sinto que convivo com uma auto infligida imitação de esquizofrenia, talvez também ela própria desculpada, que me rearranja o passado e explica-me o presente duma forma muito pouco esclarecedora. Tal qual este texto.

*Músico