Opinião
A derrota do futebol
Começo por dizer que concordo com toda a gente que diz que não devemos ligar aos "bullies online", que devemos evitar o confronto, que essas coisas acabam por desparecer. Toda a razão.
Quando se trata de bullying presencial, o discurso tem de ganhar outra seriedade mas resistir é a palavra de ordem aqui, porque não há nada mais a fazer do que livrar-nos do problema.
Os fins podem não justificar os meios mas também me concederão que as coisas, mesmo online, não serão assim tão fáceis ou mesmo tão inofensivas.
Durante uns tempos comentei futebol na Sport TV. Num programa chamado Duelos. Rapidamente percebi que me faltava tudo para ser “mais um” comentador de futebol. Faltava-me conhecimento, faltava-me paciência, faltava-me combatividade, faltava-me… interesse.
O meu parceiro de banda, o Pedro Paixão, tem isso tudo. Sabe o que é um remate em volley. Ele é do Benfica e eu do Porto mas ele dá-me “15 a zero” em futebol.
O meu pai, também Fernando, assíduo espectador, acérrimo Portista e assinante da Sport TV bem me dizia: “tens de ser mais agressivo com aqueles gajos, defender o Porto…” Quando uma vez me perguntaram o que eu achava do desenho do ex-treinador do Porto (NES) e eu não fazia a mais pálida ideia do que se falava, deu-se o clique e arrumei as botas.
Penso que, um dia, ao me rever num desses “duelos”, percebi que, falando de muita coisa, não se fala de absolutamente nada e que, na verdade, o futebol é “apenas” um desporto, onde só ganha uma equipa, que, muita vezes, não é a nossa. Estragar a nossa vida ou andar de trombas durante a semana é impossível depois desta ideia se apresentar à nossa frente.
Sou do F.C.do Porto. Sempre fui. Na obscuridade ou na glória, gosto desta equipa. Só isso. Não morro de simpatias pelo Benfica, mas tenho uma cena qualquer pelo Sporting, já que cresci rodeado de Juve Leo no meu prédio, na Brandoa.
Gozámos muitos uns com os outros, fizemos grandes partidas de futebol, demos canelada que nos fartámos mas, depois, íamos todos juntos roubar fruta ou cravar copos de água aos cafés para matar a nossa sede de jovens.
Por isso, lamento imenso o que está a acontecer ao Sporting. De verdade. É demais. É a apropriação indevida de um clube às mãos de um bully da internet, de um ego desmedido e mal-dormido que não tem noção do que é um clube e de quem o clube serve: nada mais que os seus adeptos.
É verdade, não devemos ligar a bullies, mas o que fazer quando eles são presidentes do Sporting, dos Estados Unidos, os nossos patrões, os nossos vizinhos?
Quem está à frente de uma empresa, de um escritório, de uma ideia, de uma banda, de um clube, de um país tem de ter a noção de que esse lugar só lhe permite ir tão longe quanto o interesse comum, formado das opiniões, sentimentos e convicções de quem completa o grande mosaico que é uma associação de gostos, interesses e vidas. A quem não souber isso, é tirar-lhe o tapete, usando os nossos direitos, de cidadãos, de sócios, de familiares.
A brincadeira tem de acabar, o futebol pode ser levado e desfrutado a sério sem o peso do drama de agressores frustrados, que querem beber o nosso sangue e levar a nossa alma.
*vocalista e líder dos Moonspell