Opinião
A Economia acima de tudo
Quando os empregadores se organizavam chamava-se “investimento”; quando os operários se combinavam chamava-se “ameaça”
1. Nos finais do século XIX, Bryan Edwards, deputado das Índias Ocidentais no Parlamento britânico, jura, a pés juntos, que a economia do Império é tão frágil que que não pode passar sem a escravatura. “Sem isto”, assegura, “as plantações páram, o açúcar encarece, os navios ficam sem carga e a nação sem glória”. Outro, Henry Dundas, mais prudente, opta pelo “bom senso”: não é contra a humanidade, mas prefere a estabilidade. Abolir depressa? Loucura! É preferível “gradualmente”. E em 1837, nos EUA, o senador John Calhoun defende a tese que a escravatura é um “bem positivo” e que o abolicionismo tem que ser travado. (Outros estarão contra, entre os quais Abraham Lincoln, e a guerra civil será inevitável).
2. Em 1818 e 1819, Lord Lascelles e Lord Earl Grosvenor, na Câmara dos Lords e Mr. Philips, na Câmara dos Comuns, defendem o trabalho infantil em jornadas de 12 horas porque é melhor assim e qualquer medida na organização desse trabalho é uma intrusão indevida. A lei, quando limita horas, torna-se uma “interferência” na sagrada liberdade de contratar. Estes e outros lordes argumentam que as crianças têm “trabalho, pão e roupa” e que a alternativa será a ociosidade, o crime, a rua.
E mais: se as crianças tossirem, será do nevoeiro; se tombarem de sono, é por falta de disciplina; se deceparem uma mão nas correias dos teares, é por desatenção. Mr. Poulett Thomson, em 1836, na Câmara dos Comuns, propõe que as crianças de 12 e 13 anos voltem a trabalhar as 12 horas diárias, face à oferta de mão de obra e às necessidades da indústria. As mulheres entram no argumento com um véu de alguma virtude. Trabalham longas horas, diz-se, porque a casa precisa; e, se a casa precisa, então o mercado agradece. E em 1874, Thomas Macaulay ainda avisa no Parlamento que a redução de horário de trabalho para as crianças é perigoso para a competitividade e para a paz social. E que afetará a competitividade internacional e criará assimetrias.
3. E quanto aos sindicatos? A doutrina jurídica no final do séc. XIX e 1ª metade do séc. XIX, considera lícito que o operário sozinho possa pedir salário; mas coletivamente é considerado “crime de conspiração”. Pedir coletivamente melhores salários e condições eram ações subversivas, geradoras de instabilidade e, portanto, severamente punidas. Sindicatos e greves eram atentados à liberdade: a de contratar. Neste liberalismo do séc. XIX e início do XX, quando os empregadores se organizavam chamava-se “investimento”; quando os operários se combinavam chamava-se “ameaça”. O liberalismo, neste tempo, via-se a um espelho que só devolvia um único rosto: o de quem mandava.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990