Opinião

A geopolítica da Rede Cultura 2027

23 mai 2019 00:00

Em Aveiro, a câmara gasta 37,7 euros em cultura por pessoa, enquanto Leiria não chega a 15 euros.

A Rede Cultura 2027 (RC27) são 26 municípios que abrangem mais de 800 mil pessoas. Trata-se, inequivocamente, de uma engenharia social ambiciosa em termos de cooperação territorial, mas que têm vários desafios endógenos para enfrentar, porque a RC27 é, sobretudo, um arranjo de várias configurações de disparidades regionais.

Os dados da Tabela 1 mostram-nos que a RC27 representa 7,8% da população residente no país, mas que em termos de despesa corrente em actividades culturais e criativas representa apenas 6,1%, i.e., está subdimensionada em cultura.

A RC27 gasta 29,7 euros/ano por cada cidadão, ao passo que a média do país é de 38 euros. Ou seja, a despesa per capita em cultura na RC27 representa 78% dos níveis nacionais. Portanto, trata-se de uma rede subdimensionada no seu objectivo estratégico.

Sendo Portugal um país com acentuadas assimetrias regionais, é expectável que a própria RC27 também o seja.

Entre as 26 câmaras municipais, 12 delas reúnem 73% de toda a verba orientada para a cultura com orçamentos acima de um milhão de euros, ao passo que 14 câmaras têm orçamento para a cultura abaixo de um milhão de euros.

E, no âmbito da RC27, sendo Leiria a «cabeça-de-lista» para a Capital Europeia da Cultura (CEC27), a suborçamentação apresenta-se ainda mais evidente quando é comparada com as cidades concorrentes mais próximas.

O orçamento corrente para a cultura em Leiria é de 1,9 milhões de euros, ao passo que em Coimbra é de 3,5 milhões e em Aveiro de 2,9 milhões de euros.

Em Aveiro, a Câmara gasta 37,7 euros em cultura por pessoa, enquanto Leiria não chega a 15 euros.

A grande ambição da RC27, enquanto território assimétrico, só poderá ser concretizada consoante os compromissos políticos internos alcançados.

De acordo com a Tabela 2, podemos ver que as câmaras municipais com maior pujança orçamental são PSD, ao passo que o PS predomina nas câmaras com orçamentos abaixo de um milhão de euros em cultura.

Trata-se de um intrincado jogo político entre as comunidades intermunicipais (CIM) da Região de Leiria e do Oeste, e as forças partidárias que as compõem.

A maior ambição da RC27 não deve ser a Capital Europeia da Cultura em Leiria, mas sim a afirmação de um novo paradigma de cooperação ente municípios.

Será que, por exemplo, dentro da mesma CIM ou dentro da própria RC27, os municípios mais ricos estariam dispostos a cofinanciar projectos culturais em municípios mais pobres?

Será possível exercer uma verdadeira cooperação entre 26 municípios se não houver uma real subsidiarização de verbas?

A RC27 não deve ser apenas um projecto cultural. Tem de ser, sobretudo, um projeto de coesão social que usa a cultura como principal instrumento. Mas que, neste exacto momento, está subfinanciada.

Tabela 1. População e Despesa Corrente em Cultura

Território População DCACC* (em €) DCACC/Pop.
Rede Cultura 2027  802.880 | 7,8%  23.839.390 | 6,1% 29,7 |  78%
Portugal  10.291.027   391.367.844  38,0
 Leiria   126.897  1.894.264 14,9
Coimbra 143.396 3.512.056 24,5
 Aveiro 78.450  2.954.795  37,7

 *Despesa Corrente em Actividades Culturais e Criativas (INE, 2017)

Tabela 2. Divisão de Força Política na Rede Cultura 2027

Território  Mais de 1 milhão de euros Menos de 1 milhão de euros
Força política dos concelhos 

6 câmaras PSD e CDS
4 PS
2 CDU

9 câmaras PS
5 PSD e outras coligações

 *Docente do Politécnico de Leiria