Opinião

A guerra

10 mar 2022 15:45

Esta é uma guerra que os europeus julgaram não poder vir a acontecer

É impossível não falar desta guerra. É impossível escapar à tristeza e à angústia trazida pelos jornais e telejornais.

É quase impossível não conhecer russos ou ucranianos, bielorrussos, polacos ou romenos, e não nos colocarmos no seu lugar, percebendo a indignação, o medo, o desespero, a ansiedade, a determinação, a submissão, ou a raiva, que por estes longos dias sentem.

E devia também ser impossível confundir os povos com os ditadores, evitando essa forma de agressão que é confundir a árvore com a floresta.

Esta é uma guerra que os europeus julgaram não poder vir a acontecer.

Nem os que ainda viveram a II Grande Guerra, nem os filhos que a aprenderam da sua boca antes de a estudarem nos livros, nem os netos que a imaginam como se de uma outra era se tratasse, colocavam, até há poucos dias, a hipótese de a Europa não ser, para sempre, um lugar onde as palavras democracia e paz fossem a lei.

Esta é uma guerra súbita, inesperada, que apenas não surpreendeu totalmente os estudiosos dos meandros da cena política, há muito atentos ao homem poderoso, zangado com uma perda de território antiga, inquieto com o estreitar de um “cerco” em torno do seu país, sentindo-se ameaçado e desrespeitado pelo arqui-inimigo, e que em lugar de lutar com armas económicas e políticas, o faz com armas letais.

Esta é uma guerra louca de conquista de território, de alargamento de fronteiras, e de pretensa libertação dos mesmos que bombardeia, e diz serem o seu povo.

É uma invasão absurda, medieval, em muito semelhante à que em 1939 iniciou o conflito mais sangrento da história da humanidade e que nos deixa absolutamente atónitos por poder estar a acontecer.

Esta é a guerra mais próxima de casa que os europeus com menos de oitenta anos jamais viveram.

Podiam ser os prédios de uma das nossas cidades, podiam ser as nossas ruas e os nossos carros, podiam ser os nossos amigos a fugir e nossa a família com medo de morrer.

Podiam ser nossos, os mortos. Temos modos de vida semelhantes, parecem-se connosco, podíamos ser nós.

E é aqui que importa também parar um pouco, entender o efeito empático da semelhança, e pensar como sentimos quando os outros não são tão iguais a nós.

Quando as roupas, as práticas religiosas, a organização social, a cor da pele, ou as raízes culturais se distanciam da nossa forma de viver, as imagens de guerra, destruição, fuga, e sofrimento abalam-nos, sim, desencadeiam movimentos autênticos de ajuda humanitária e de repúdio ao agressor, sim, mas não vivemos o seu infortúnio pensando que podíamos ser nós.

Os iraquianos, os afegãos, os etíopes, os sírios, ou os norte africanos, entre outros, continuam a viver em guerra e a tentar fugir dela, e nós vemos, e lemos, e comentamos, mas não da mesma forma, não tantas vezes ao dia, não tão atónitos, não tão próximos.

Precisa de ser mais verdade cada vez que afixamos nas redes sociais que “somos” o que outros são, mas precisamos de o ser em relação a todos porque, se não, é só bonito.

Porque ser o outro, que é diferente, não é imediato, dá trabalho, implica descentrarmo-nos de nós.

Sejamos Ucrânia, sim! Sejamos também todos quantos vivem acossados!

E sejamos, sobretudo, tudo o que cada agressor nunca será capaz de ser!