Opinião

A infração na área farmacêutica e a importância da proteção

22 fev 2021 11:36

A crise global provocada pela pandemia de SARS-CoV-2 veio expor a vulnerabilidade humana a novos agentes patogénicos, e demonstrar o papel vital da inovação na indústria farmacêutica para dar resposta aos desafios criados à escala mundial

O desenvolvimento de uma vacina em tão curto espaço de tempo não encontra precedentes na história da Humanidade, e só foi possível porque existe um substancial investimento técnico e financeiro, suportado por um robusto sistema de propriedade industrial (PI) que garante o retorno do investimento.

Os direitos de PI, nomeadamente as patentes, concedem aos titulares um período de exclusividade para produzir e comercializar as suas invenções.

O desenvolvimento de um novo medicamento é particularmente arriscado pela necessidade de levar a cabo morosos ensaios clínicos até que a sua colocação no mercado seja autorizada.

Um novo medicamento demora, em média, dez anos desde a sua identificação até à entrada no mercado, seis a sete dos quais são apenas em ensaios clínicos. Segundo um estudo recente da London School of Hygiene & Tropical Medicine, o custo médio de colocação de um medicamento no mercado é de 1,3 mil milhões de dólares, sendo que apenas um em cada dez medicamentos é aprovado pela FDA (JAMA. 2020;323(9):844-853).

As empresas e investidores que financiam estes estudos correm riscos elevados porque os direitos de PI, em caso de sucesso, proporcionam não só o retorno do investimento, mas também uma elevadíssima margem de lucro.

As patentes contribuem com cerca de 80% da receita geral das empresas farmacêuticas, pelo que neste contexto, as estratégias de proteção da inovação assumem particular relevância.

Não é, portanto, de estranhar que o número de pedidos de patente submetidos no Instituto Europeu de Patentes (IEP) no setor das ciências da vida tenha crescido nos últimos anos, tendo as áreas farmacêutica e biotecnológica visto um aumento 4,4% e 1,7% respetivamente em relação a 2018, o terceiro ano consecutivo de crescimento (EPO Patent Index 2019).

Estes dados demonstram que a Europa é um ambiente favorável ao desenvolvimento de inovação de topo nas ciências da vida, e destacam também a atratividade do mercado europeu para as pequenas e médias empresas (PME), dado que um em cada cinco pedidos originários de países europeus provém de uma PME.

Dados do IEP mostram que, entre 2012 e 2016, as patentes relacionadas com tecnologias médicas atraíram o maior número de oposições (1029), seguidas pelos produtos farmacêuticos (974).

Em média, 32% destas patentes são invalidadas e 36% mantidas com limitações.

Por sua vez, a forte oposição no EPO encontra paralelo na litigância nos tribunais nacionais, através de ações por infração, na sua maioria face à entrada no mercado de produtos genéricos, e respetivas ações defensivas de invalidade dos respetivos direitos vigentes, deixando clara a relevância de uma robusta estratégia de patenteamento e de litigância para assegurar a proteção da inovação nestas áreas tecnológicas.

Estando os grandes blockbusters em fim de vida, e face ao ritmo acelerado dos avanços científicos e a um ecossistema cada vez mais lotado, fazer o enforcement das patentes é cada vez mais desafiante, tendo os inovadores que delinear estratégias de proteção cautelosas e competitivas.

Sendo a indústria farmacêutica uma das mais suscetíveis à engenharia reversa, é também particularmente vulnerável à infração pelo que, quer para novos players quer para empresas de posição já consolidada, o apoio especializado em questões regulatórias, a monitorização de patentes e estratégias de valorização como o licenciamento serão fulcrais para o desenvolvimento de novos produtos e tecnologias na área das Ciências da Vida. 

Artigo em parceria com J. Pereira da Cruz Lda. - Advogados - empresa especializada em Propriedade Intelectual com serviços relacionados com Propriedade Industrial, Direitos de Autor (entre outras)

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990