Opinião

A maçã podre da revista Time

15 abr 2023 10:20

Marcelo Caetano governou num tempo em que a mudança do País não acompanhou a mudança do mundo, tendo sido por ela arrastado

1. Quem nos contou foi alguém muito próximo de Marcelo Caetano. Poucos minutos antes da cerimónia da sua tomada de posse como novo Presidente do Conselho, a 27 de Setembro de 1968, o Presidente da República Américo Tomaz e o Gen. Kaúlza de Arriaga chamaram-no de lado e avisaram: “O sr. nas colónias não mexe, ouviu? Nas colónias não mexe!”.

E, deste modo, o Prof. Marcelo Caetano ficou preso nesse limbo terrível em que a História coloca algumas personalidades, por vezes injustamente. Para uns (os que desejavam mudança), Marcelo Caetano foi incapaz de se impor aos ultras do regime; para outros (os ultra do regime), terá sido brando de mais com a oposição.

Marcelo Caetano governou num tempo em que a mudança do País não acompanhou a mudança do mundo, tendo sido por ela arrastado.

2. No dia 22 de Julho de 1946, a revista Time apresentava na sua capa a imagem de Salazar, acompanhada de uma maçã, com muito bom aspecto por fora, mas podre no seu interior. Na legenda: Portugal’s Salazar: Dean of Dictators (Salazar, de Portugal: O decano dos Ditadores).

A reportagem, escrita por Piero Saporiti, correspondente da Time em Lisboa, dizia entre outras coisas:

“Passados que são 20 anos de ditadura de Salazar, o decano dos ditadores na Europa, Portugal é uma terra melancólica, de pessoas empobrecidas, confusas e amedrontadas.”

O correspondente foi expulso, as edições confiscadas e a revista proibida em Portugal durante 6 anos.

E outros quase 30 anos se passariam em ditadura, antes da Democracia.

O tempo que se perdeu!

3 . E as inevitáveis questões, que um historiador nunca colocará:

- e se Salazar se tivesse rendido, logo depois da 2ª Guerra Mundial, aos benefícios da Democracia?

- e se, por desígnio dos deuses, Salazar tivesse aceitado a vitória de Humberto Delgado em 1958?

- e o que seria de Portugal se Salazar tivesse sido sensível à autonomia progressiva das colónias?

- Ou ainda: e se Salazar tivesse acompanhado os ventos de mudança, logo após a 2ª Guerra Mundial?

4. A verdade é que se chega ao início da década de 70, com uma guerra em 3 frentes, e Portugal é dos países do mundo que per capita mais gasta em defesa, acima dos Estados Unidos e da União Soviética: despesas militares na ordem dos 10 % do PNB, correspondendo a 66 % das despesas totais do Estado!

O mais pobre da Europa ocidental, só a Turquia abaixo de nós! A excepção eram as províncias ultramarinas, onde se vivia muito bem. De tal modo que quase todos os portugueses que aí viveram e tiveram que retornar após 1974, se confrontarão com esta triste realidade de um país melancólico, cinzento e triste.