Opinião
A Olaia
Encontrava-a todos os dias vergada sobre o jardim. Passava o dia a tratar de flores.
«Mas que abram alas aos que fazem os mundos e os sonhos,
As ilusões, as sinfonias, as palavras que nos desbaratam
E nos constroem, os mais loucos que as suas mães, os mais bêbedos
Que os seus pais e mais delinquentes que os seus filhos
E mais devorados por amores calcinantes.
Que lhes deixem o seu sítio no inferno, e basta.»
Excerto do poema Felizes os Normais do poeta cubano Roberto Fernández Retamar
Era velha e apaixonara-se. Daquelas paixões avassaladoras que abanam por dentro. Acreditara que podia ser jovem novamente. Sentir a mão a tocar-lhe não o corpo mas o avesso dele. O corpo todo mas por dentro. Voltar a sentir as veias a latejar de vida e alegria. Uma alegria sem lei.
Por ele perdera o tempo, a palavra e até a identidade e regressou a si, depois do tsunami, atarantada, sem o novo compasso que descobrira, a ausência de palavra e uma nova e desconhecida identidade.
Encontrava-a todos os dias vergada sobre o jardim. Passava o dia a tratar de flores. A junta local contratara-a em troca de um pequeno salário para cuidar dos canteiros e das árvores que circundavam o lago central onde já não havia cisnes. Tinha um talento especial para tratar de jardins desordenados.
Só escolhia espécies que tinha a certeza que floresceriam no seu máximo potencial nas condições que o habitat lhes oferecia. Nem mais. Nem menos. Mas cumpriam-se como tinham de se cumprir. E ainda que, ao perto, o jardim parecesse caótico, ao longe, encerrava uma harmonia incompreensível mas coerente.
Dei com ela há dias caída junto ao cipreste que fechava o extremo esquerdo do jardim. O joelho falhara em força e tombara junto ao canteiro húmido que lhe sujara a roupa e o braço ainda nu por culpa do Verão tardio.
Nunca olhava em frente mas naquele dia reparei que tinha os olhos húmidos. A queda fora uma espécie de detonador da avala
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