Opinião
A rapariga sem nome
Há 7 anos, farta do trabalho como designer gráfica no Diário de Notícias, pediu um ano de licença sem vencimento e veio para Leiria atrás de um sonho
Três mil caracteres não chegam para começar a explicar a beleza das contradições de que é feita uma mulher. Tanto vos pode citar o Agostinho da Silva, poeta da renúncia - “Não faças planos para a vida, que podes estragar os planos que a vida tem para ti” - como, no parágrafo seguinte, deixar antever a determinação e entusiasmo necessários para se tornar trabalhadora-estudante-guerreira aos 42.
A Sofia, mulher de que falamos nesta crónica, nasceu em Coimbra, Alta e Sofia. Faz sentido. A Sofia toma decisões com o coração e tem nome de sábia. Faz sentido.
Há 7 anos atrás, farta do trabalho como designer gráfica no Diário de Notícias, pediu um ano de licença sem vencimento e veio para Leiria atrás de um sonho. O plano era voltar para Lisboa, mas no fim da licença acabou por se despedir e olhem, ficou até hoje. Mas já me estou a adiantar…
Quando a Sofia tinha 8 anos, a profissão do pai trouxe a família para Leiria. Dessa altura, lembra-se de dias inteiros a brincar na rua e dos finais de tarde com o castelo em fundo, a família numa varanda dos Capuchos a comer fatias de melão que, por uma piada só deles, eram apelidadas de “flechas”.
Dez anos depois foi estudar para Lisboa e ficou uma vida - mais precisamente, 18 anos. Para alguém que, em Leiria, é por vezes apresentada como “a filha de…”, “a irmã de…”, rapariga sem nome, Lisboa teve o apelo de a acolher como “só” a Sofia. Não é que não se lhe note um orgulho infinito na família. Mas todos precisamos de um tempo e um espaço só nossos para aprendermos quem somos, em toda a nossa complexidade.
A Sofia é uma romântica. Foi ela que me disse. “Sempre tive o sonho de abrir uma tasquinha, pensei fazê-lo com duas amigas, em Lisboa. Chegámos a desenhar um plano de negócio mas o investimento era gigante e a concorrência muito grande, tendo em conta a nossa falta de experiência”. Nunca avançaram mas o sonho ficou.
Foi quando começou a sentir que precisava de mudar, arriscar, desafiar-se a vários níveis, que a vida lhe mostrou os planos que tinha para ela, sob a forma de um convite do irmão para vir para Leiria transformar uma loja de bicicletas num espaço de restauração. E assim fizeram: a Sofia, o Miguel, a Joana e o Arlindo.
Nós, leirienses, ganhámos um belíssimo restaurante. Ela ganhou a proximidade do mar, a Praia da Mina que tem “o melhor pôr do sol do mundo”, a casa dos pais nas Cortes, as Nascentes do Lis e o Polis para passear, a beleza de ir a pé para todo o lado e os amigos. Foram eles que a fizeram voltar a sentir-se em casa.
Querem uma última contradição deliciosa? A mesma Sofia que nos fala, com o foco de uma fatia de melão, de ter voltado à escola para aprender mais sobre a magia de gerir um restaurante e uma cozinha profissional, e que acumula o curso com o trabalho no seu negócio, é a Sofia que diz que precisa de mais tempo para olhar para coisas bonitas e não perder a capacidade de espanto. O tempo, diz ela, é o seu calcanhar de Aquiles.
Apetece-lhe muitas vezes parar o relógio, “por exemplo, agora, que está aí o Outono e há tanto para observar nele”.