Opinião

A voz no jardim da Celeste

13 out 2022 20:15

A realidade tem muitas cores, timings, espaços, pessoas, oportunidades, intenções, ultrapassando a velha máxima que limitava a existência ao nós e às suas circunstâncias

O mundo é, mais ou menos, cor-de-rosa. Ou não. Pois acontece que, todos sabemos, essa não é a cor da realidade. A realidade tem muitas cores, timings, espaços, pessoas, oportunidades, intenções, ultrapassando a velha máxima que limitava a existência ao nós e às suas circunstâncias. Basta pensar, ou não esquecer que os outros, e são tantos, também se têm a si e às circunstâncias.

Introdução meio opaca, evasiva e difusa para poder tocar um assunto que nos últimos dias (e anos) tem andado nas bocas do mundo e, sobretudo, de alguns meios de comunicação social. Após as tentativas de cerco ao Cardeal-Patriarca de Lisboa parece que, agora, o grande foco se instalou no Bispo de Leiria-Fátima, actual Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e ex-provincial dos Dehonianos. Os “factos”, agora em destaque, dizem respeito a essa época.

Um: práticas pedófilas, têm envergonhado a Igreja nacional e internacional;

Dois: mesmo com a inoperância de alguns responsáveis, parece que em nenhum local eclesial se advogava a sua prática e ou se lhe destituía de gravidade;

Três:  ao longo da história, a gravidade dos actos nunca foi desclassificada e, mais recentemente, as marcas e abuso das e nas vítimas ganhou a devida e merecida atenção;

Quatro: muito se tem feito para validar se os procedimentos do passado foram condignos com a necessária e premente acção, já então exigida, e ainda mais aos olhos do devido e intemporal cuidado das vítimas.

Qualquer referência incrimina na praça pública o “suspeito”; qualquer testemunho é tido como verdadeiro; qualquer acção do passado é escrutinada aos olhos do hoje; qualquer referência logo levanta a possibilidade de encobrimento estratégico e mal-intencionado das estruturas da Igreja local, nacional e internacional.

Movimentações que são o preço a pagar por anos de inércia ou de um foco demasiado disperso no tratamento e saneamento destes casos. Demasiados anos a pregar a moral sexual para outros quando, agora se percebe, alguns desses arautos eram autênticos criminosos que marcavam para sempre vidas a um autêntico inferno, assim como o deles já devia ser, e era certamente!

Mas aqui chego. ALGUNS. “Alguns” que a Igreja institucional tem de ser capaz dizer e de afirmar, de isolar. Houve alguns que... Mas houve muitos outros que foram, e continuam ser, homens de virtude e de entrega inquestionáveis. Não o fazer pode fazer com que todos sejam equiparados e catalogados como tal.

Sabe-se que uma determinada sociedade também se alimenta destes ódios (e destes silêncios) mas a verdade é que a própria teologia classifica a sua igreja, e com ela os seus membros de “sacra et putana”, expressão que dispensa tradução e advogando, não a desgraça, a capacidade de ser mais que as suas (e nossas) fraquezas.

Ser mais, maior e capaz de defender o bem sem medos, receios ou falsas modéstias! Jamais presa em qualquer jardim cor-de-rosa. Capaz de apontar o mal e os seus actores, sem esquecer o bem e os seus protagonistas! Não perca, ela e nós, a voz!