Opinião

Artes Visuais | Ana Teresa Antunes – óóóóóóó gente da minha terra

24 jan 2025 08:41

No sítio mais cool de Lisboa com a pintora mais cool de Lisboa

A convite da Ana fui a Lisboa, ao Bairro Alto, ver uma exposição onde tinha uns trabalhos. A minha expectativa era alta, porque raramente expunha fosse o que fosse e eu há já muito tempo que não via nada dela. Ana Teresa Antunes (Lisboa, 1977) estudou na então ESTGAD, agora Escola Superior de Artes e Design - Caldas da Rainha, de 1996 a 2000, e quanto a mim, destacou-se como uma das pintoras mais originais.

A pintura dela era meia street art against the system. Usava stencils e sprays, por cima de esmalte e tinta plástica da mais barata em tecidos e caixas de cartão reciclados. Num primeiro olhar, as cores e figuras eram simples mas muito bem executadas, como fazia o Raymond Pettibon, mas tornavam-se enigmáticas e sinistras, numa observação um pouco mais detalhada. Tinha um traço firme e confiante, porque passava grande parte do seu tempo a preencher inúmeros diários gráficos com desenho. Este treino constante de gesto à procura da forma, permitia-lhe fazer uso duma técnica que em gíria de pintor chamamos de “bravura”. Consiste em ser o mais económico possível no número de pinceladas aplicadas. Qualquer coisa do género, fazer com apenas quatro pinceladas o mesmo que seria esperado fazer-se com catorze. Para mim e para muitos desta geração de estudantes, foi uma das figuras mais importantes daquela época da ESAD, mas por alguma razão nunca encontrou, quanto a mim, o reconhecimento devido.

Combinámos às oito horas à porta da Galeria Zé dos Bois. Cheguei primeiro. Dei uma volta pela pequena livraria do rés-do-chão e dirigi-me à entrada. Estava uma pintura enorme a uma cor, feita em spray pela Ana no lobby. Mostrava o que me pareceu ser ela própria, vestida de fadista, a cantar “óóóóóóó gente da minha terra”, o que me pôs logo a rir. Apareceu, cumprimentámo-nos e subimos ao primeiro andar.

A exposição colectiva onde participa chama-se SINGSONG, e ainda pode ser visitada até ao dia 1 de fevereiro. A curadoria de Filipa Correia de Sousa e Laura Gama Martins, é porreira, temos bastante pintura, o que para mim era um prenúncio dumas belas pinturas old school Caldas da Rainha, da Ana.

Os trabalhos dela, como sempre, tiraram-me o tapete de debaixo dos pés. Não estava nada à espera, não eram nem pintura nem desenho, mas sim tecidos esculpidos e cosidos. Falámos um pouco sobre eles, de frente para eles. Eram dois estandartes enormes, com motivos alusivos a um clube recreativo que lhe era querido. Foram produzidos aquando de um concurso de decoração de varandas, promovido pela associação de moradores da rua onde mora – explicou.

Ligaram-lhe e ela saiu da sala onde estávamos. Fiquei lá sozinho uns minutos e quando voltou a entrar, vinha com um sorriso de orelha a orelha. Tinha vendido as duas, e mais ainda confessou-me ser a primeira vez que vendia uma peça. Fomos ao bar do terraço e bebemos um shot de whisky para comemorar.

Wow – pensei enquanto falámos um pouco – no sítio mais cool de Lisboa com a pintora mais cool de Lisboa, aquando da sua primeira venda, que por acaso não é uma pintura.