Editorial
As bandeiras que (não) escolhemos
Parece que gostamos de viver anestesiados pelo queixume. E são ainda poucos os que teimam em pensar global e agir local
Chamem-lhe condão ou triste sina, é um facto. Portugal parece não saber viver de outra forma.
Descobre tarde os seus lados positivos, deleita-se com as lamentações e sustenta muitos dos seus insucessos na coisa alheia.
Tão depressa delira com os elogios de circunstância, como deprime com a crítica sublime. Continua a gostar da coisa tratada em cima do joelho.
Planeamento, ‘está quieto ó mau’, como se diz em bom português. Já existe algum (ou adeus aos fundos comunitários), mas nem sempre assente numa perspectiva alargada.
Não se pediam vistas largas. Pedia-se, isso sim, uma visão alargada.
Lamentavelmente, continuamos atolados em projectos que visam mais o remendo de alguns problemas do que a sua resolução.
Que procuram a satisfação do imediato, sem cuidar do impacto no longo prazo, sem pensar no efeito para as próximas gerações.
Continuamos a adorar debater obstáculos e não tanto a discutir soluções.
Continuamos a salivar por uma boa coscuvilhice, a extasiar com uma valente sessão de convívio, mas a cuidar pouco de alimentar a capacidade crítica, interventiva, construtiva e despretensiosa, no que ao individual diz respeito.
Parece que gostamos de viver anestesiados pelo queixume. E são ainda poucos os que teimam em pensar global e agir local.
Esta semana, o JORNAL DE LEIRIA mostra o retrato deste País a duas velocidades.
Oferece-nos o testemunho de um casal que trocou a capital pelo interior, que reforçou a sua consciência territorial, comunitária e ambiental, e demonstrou capacidade de resiliência num território cronicamente abandonado.
Uma família que gosta de ver nascer e crescer as couves, mas também se preocupa com as espécies que proliferam à sua volta.
Não por egoísmo, mas por ter pensamento sustentável, um conceito que tarda em colher verdadeiro amparo institucional nas chamadas zonas de baixa densidade.
Alerta-nos também, pela voz de um investigador, para a forma como ainda desprezamos a imensidão de recursos do oceano que percorre o País de alto a baixo.
Pelas palavras de Daniela Alves e de Tiago Bernardino, voltamos a perceber o muito que há ainda a fazer para derrubar as assimetrias provocadas pela falta de planeamento florestal na área mais a norte do distrito de Leiria, fustigada há quatro anos por um dos mais trágicos incêndios de sempre em Portugal.
Através do discurso informado de Sérgio Leandro, somos levados a reconhecer o quanto temos andado distraídos em relação a boa parte da biodiversidade do nosso litoral.
E quando as florestas e os oceanos deviam ser duas bandeiras do nosso País, continuamos a assistir a um movimento colectivo de sentido patriótico, com a colocação da bandeiras em quintais, varandas e janelas, apenas para apoiar o futebol.