Opinião

As férias do outro

19 ago 2021 15:45

Esta coisa de adivinhar o pensamento e o desejo do outro quase sempre dá mau resultado. O melhor mesmo é perguntar

Em tempo de férias é suposto ler-se sem esforço. Não que ler deva ser em algum momento coisa esforçada, mas enfim, o calor convida a leituras mais refrescantes que nos distraiam das agruras do resto do ano.

Desaconselhadas serão sempre as leituras de má qualidade, perniciosas ao pensamento e de difícil digestão. Por isso, impunha-se deixar-vos um texto convidativo à lassidão.

Muitos estarão já de férias. Outros tantos a emalar o pensamento para se fazerem à estrada na busca de diferentes destinos.

Haverá, infelizmente, os que a esse básico direito se não poderão permitir.

Incongruências de uma sociedade que teima em não conseguir encontrar forma de melhor partilhar afazeres e riquezas.

O tempo de férias é um tempo bom, sem compromisso, o que não implica ser de descomprometimento.

Por uns dias libertamo-nos dos deveres que nos consomem a vida e sobra-nos tempo para estar com os mais próximos.

Tempo para estarmos longe do desempenho profissional e pelo qual, as mais das vezes, nos apresentamos perante os outros, mas tempo, quanto baste, para estarmos com aqueles por quem e a quem devemos o que somos e que frequentemente remetemos para segundo plano no que à atenção diz respeito.

Tempo bom, este das férias, para reforçarmos o compromisso amoroso com os nossos.

Talvez fosse bom abandonar à partida a ideia de umas férias de sonho.

Desejáveis e apelativas, fantasiadas até à exaustão, mas que sempre ficam aquém do nosso princípio do prazer.

A realidade teima em limitar a nossa aspiração e a cor e o sabor das coisas nunca correspondem ao pretendido.

O vinho branco nunca terá a frescura pretendida para saciar a sede de um ano, tão-pouco o peixe grelhado nos saberá a marés imaginadas.

A proposta é a de fazermos o que estiver ao nosso alcance para garantir as férias do outro.

Como? Creio que nunca o saberemos com exatidão. Esta coisa de adivinhar o pensamento e o desejo do outro quase sempre dá mau resultado.

O melhor mesmo é perguntar. A resposta, quase certa, será do “escolhe tu”, e bom será que tomemos a iniciativa de escolher.

Garantido que vamos falhar o tiro, mas pelo menos o outro fica a conhecer melhor o que pensamos dele.

Quiçá uma boa oportunidade para esclarecer esses pequenos equívocos que nos confundem o quotidiano do resto do ano.

Ah! E falar. Falar muito, mesmo que pelo silêncio.

Relembrar os bons momentos e desenhar projetos para o futuro.

Esclarecer pontos de vista, opiniões, dizer o que sentimos perante as atitudes de quem está a nosso lado.

Sim, que sair do local onde sempre estamos também nos permite estar num outro lugar que nos torne mais visíveis para quem nos olha diariamente.

Umas boas férias!

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990