Opinião

Bom Ano!

20 jan 2023 11:28

Talvez devêssemos pensar em coisas bem mais práticas, mais próximas e realmente úteis, como enviar uma mensagem a iniciar uma reaproximação com a pessoa a quem deixámos de falar

Durante o mês de Janeiro é tradição continuarmos a desejar um bom ano a todos quantos connosco se cruzam, fazendo deste primeiro mês uma larga porta de entrada no ano que começa. Por isso se cantam as janeiras que, crê-se, vêm desde o tempo dos romanos a ser cantadas depois do solstício de Inverno em honra de Janus, o deus do passado e do futuro, dos inícios, e das escolhas, e por isso representado com duas faces que olham em direcções opostas.

De Janus se fez o nome do mês e, muito mais tarde, a cristandade transformou o festejo numa celebração da chegada dos Reis Magos a Belém para saudar o nascimento do Menino Jesus, começando então estas noites de cantigas ambulantes em grupo a acontecer entre o dia 1 e o dia 6.

As gentes, na sua infinita capacidade de incluir, transformar, adaptar, criar, e recriar, foram aos poucos construindo uma ligação entre os dois mundos e, tal como aconteceu com tantas outras tradições e festividades, acontecem agora as janeiras cantadas durante todo o mês, em grupos onde todos são bem-vindos, independentemente de credo religioso ou da ausência dele.

Bem-vindos sejam o menino Jesus e os Reis Magos, bem-vindo seja o novo ano, bem-vindos os que as queiram cantar e os que as ouvem, bem-vindas as ofertas feitas pelos donos das casas onde são cantadas, e muito bem vindo seja todo o ânimo que qualquer começo consegue trazer! Nas trocas mais directas de desejos de bom ano, a frase é mesmo essa, curta e concisa, e deixando a cada um o encargo de decidir o que melhor configurará esse desejo manifestado.

Já em celebrações mais abrangentes, ou com características mais formais, os desejos lançados como pós de fada para todos os presentes são os de Paz, Saúde e Felicidade, escritas com letra grande, porque merecem, mas um pouco vagos, convenhamos.

Embora todos possamos e devamos contribuir, numa boa medida, para que esses ingredientes constem da nossa vida, a verdade é que, assim ditos, ou escritos, mais parecem entradas de dicionário do que possibilidades concretas, arquétipos que são de uma vida perfeita e, portanto, impossível. E, pedir ou desejar o impossível, é demasiado, não? Falo por mim.

Talvez devêssemos pensar em coisas bem mais práticas, mais próximas e realmente úteis, como enviar uma mensagem a iniciar uma reaproximação com a pessoa a quem deixámos de falar, fazer finalmente as análises e começar a andar alguma coisa a pé, ou determo-nos na tranquilidade de um sol de Inverno a bailar num campo verdejante, sentindo como é bom viver; ou, deixar de remoer num mal que nos fizeram, criar a disciplina de beber mais água, e recuperar um prazer já perdido nas sombras dos dias.

Atentar no passado e olhar o futuro, tomar decisões possíveis, e começar realmente alguma coisa, será uma outra forma de cantar as janeiras que não deslustra o ritual de dar as boas-vindas a um ano que para nós se quer, e aos outros se deseja, bom.

Há um deus das pequenas coisas, sim, e são essas que fazem todos os milagres pelos quais nem esperávamos e que nos poderão, talvez, garantir, que em Dezembro possamos dizer que foi um Bom Ano.