Opinião

Cinema | Afeganistão

9 jun 2023 19:00

The Covenant tem uma qualidade – a de ser politicamente relevante – e uma outra, bem menos apelativa, que é a do entretenimento a la Hollywood

Há momentos em que, sem nos darmos conta, determinadas questões assumem um protagonismo inesperado. É como se, por acaso, um certo tema se atravessasse no caminho e estacasse diante de nós. Relevante, incontornável, e reclamando o espaço que sabe ser-lhe legítimo e destinado.

Ora, na passada semana, aconteceu-me mais ou menos isso com o Afeganistão e a complicada e difícil situação política e social que sufoca o povo daquele país.

No âmbito do hádoc (www.hadoc.pt), a ecO – Associação Cultural exibiu, dia 30 de maio, no Teatro Miguel Franco, o documentário A Retirada (Retrograde, 2022) de Matthew Heineman. Um duro e contundente retrato dos últimos meses das forças armadas americanas no Afeganistão, que expõe, de forma bastante crua, a impotência do exército afegão em conter o avanço militar e tomada de poder pelos taliban. As imagens do aeroporto de Cabul, nos últimos dias da presença americana, com milhares de afegãos a tentar, a qualquer custo, conseguir um lugar num voo para fora daquele território, são chocantes. Antecipando os abusos de poder e limitações da liberdade que o jugo dos taliban traria, é palpável o desespero e o sofrimento daquelas pessoas.

Dias mais tarde, dou comigo a ver (inadvertidamente?) The Covenant (2023), o mais recente filme de Guy Ritchie. Ora, The Covenant, que poderia ser traduzido para português por O Pacto, aborda um tema semelhante. A saber: a promessa, inúmeras vezes não cumprida, de reconhecer o trabalho de milhares de afegãos que acompanharam as forças americanas, como tradutores e intérpretes, atribuindo-lhes vistos que lhes permitiram sair do país com as suas famílias. Após a mudança política que o vazio deixado pela saída dos americanos criou, a maioria destas pessoas tornou-se um alvo a abater (literalmente) pelas autoridades taliban.

Acerca do filme, em si – que é, no fundo, o propósito desta coluna – pouco há a dizer. Cheira a blockbuster (apesar da estreia em plataforma de streaming) e se o número de disparos de armas de fogo for proporcional ao sucesso esperado, está no caminho certo.

Muito diferente dos trabalhos “de autor” de Ritchie, de tempos idos, The Covenant tem uma qualidade – a de ser politicamente relevante – e uma outra, bem menos apelativa, que é a do entretenimento a la Hollywood, que, se mensurada em pipocas vendidas, pode perfeitamente conduzir a estatuetas douradas.