Opinião
Cinema | Conhecer Koreeda
Um cinema que não está muito interessado em grandes reviravoltas na narrativa ou em magníficos cenários, mas sim em emoções humanas subtis
Nos últimos tempos, o Ciclo Nipo-Sul-Coreano - que estamos a desenvolver todos os primeiros sábados do mês no m|i|mo - tem-me levado a visitar e revisitar a obra cinematográfica daquele que se está a transformar num dos meus realizadores preferidos: Hirokazu Koreeda. Admito que o meu primeiro contacto com o cinema de Koreeda sucedeu há mais de uma década, quando vi o murro no estômago que é o filme Ninguém Sabe. Vi-o uma única vez e, para mim, foi emocionalmente tão violento, que jurei a mim mesma que não o iria ver mais na vida. E, talvez tenha sido isso que me afastou da restante obra dele. Sendo que, só agora, talvez com uns anos mais em cima, eu consiga ver e absorver as suas mensagens, num tipo de cinema tão invulgar como sublime. Um cinema que não está muito interessado em grandes reviravoltas na narrativa ou em magníficos cenários, mas sim em emoções humanas subtis, normalmente baseadas na dinâmica familiar; onde a câmara é uma janela e o filme, uma vida que se contempla.
Hoje, se tivesse de, talvez, indicar um filme para alguém se iniciar na obra de Koreeda, talvez começasse pelo Depois da Tempestade, de 2016. Não é o primeiro, nem o mais conhecido, e muito menos o mais premiado; mas, é aquele que é baseado nas experiências pessoais e memórias do realizador. Uma espécie de passaporte para o conhecer.
A história anda à volta de Ryota, um homem que vive no passado, nos seus momentos de glória enquanto autor premiado. Depois de se divorciar, gasta em apostas todo o dinheiro que ganha como detetive privado e não consegue pagar a pensão de alimentos do seu filho. Ou seja, Depois da Tempestade é sobre um homem incapaz de viver no presente; que está sempre a pensar no que perdeu ou a sonhar com o que ainda não alcançou. E, isso, está a destruí-lo.
Neste filme, Koreeda explora várias áreas da cultura urbana japonesa, especialmente jogos de sorte e azar e pobreza, que permitem que estejamos perante um drama multifacetado. Mas, o que realmente cimentou este argumento foi quão pessoal ele é para o realizador: os personagens explodem com dimensionalidade, permitindo-nos investir tempo nas suas histórias; ao mesmo tempo em que trata também do sentido da vida, ao indicar que “os adultos não podem viver só de amor”. No fundo, um fascinante estudo de personagem de um homem cujas ambições pessoais atrapalham a sua vida atual.
“Por que os homens nunca podem amar o presente?”, pergunta Yoshiko, a mãe de Ryota, destacando uma importante mensagem do filme: de que as pessoas devem aceitar a sua realidade, aquilo que elas realmente são. Mas, embora haja verdade na ideia de que devemos aceitar quem somos, há uma linha ténue entre aceitar as nossas limitações e reconhecer que temos o poder de transformar a nossa vida. Fica a dica para pensarmos sobre isto.