Opinião
Cinema | Inteligência Artificial. Imagens de Arquivo. Imagens sem dono
Afinal, o que é o Cinema? Ou o que vai ser?
Recentemente, numa conferência sobre a Declaração Universal de Direitos Humanos, realizada na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria, o realizador leiriense, Bruno Carnide, numa das questões propostas, foi convidado a abordar a temática da Inteligência Artificial (IA) e do seu uso no Cinema; a questão dos Direitos de Autor - que sempre se colocam nestas alturas - e qual o futuro do Cinema numa era de imagens geradas por máquinas.
E, em resposta, o realizador questionou: “qual é a diferença entre usar imagens de arquivo, do qual se desconhece o autor, e usar imagens geradas pelo computador?”
Interessante, pensei.
No geral, e enquanto trabalho narrativo, o processo é mesmo muito semelhante: utilizam-se imagens já criadas para construir uma narrativa. O realizador não é o “dono” da imagem; mas também ninguém é. Porque é que aceitamos, facilmente, um trabalho criado com recurso à usurpação de imagens de outra pessoa; e não aceitamos de imagens geradas por um computador?
Se formos até a analisar de forma mais crua, será mais ético, até, usar a IA. Primeiro porque se estão a gerar imagens para aquele fim, apesar de não serem criadas por um Humano; além de serem únicas e não existirem nenhumas iguais àquelas. Por outro lado, as imagens de arquivo são a usurpação do trabalho de outra pessoa que, muitas vezes, nem é creditada, desconhece-se quem seja e nem recebe os seus direitos. Imagens que não foram criadas para aquele fim. Imagens que poderão ser usadas por um número infinito de pessoas. A mesma imagem.
Isto, deixou-me a pensar. Porque, até aqui, a minha opinião era outra e não tinha colocado as coisas sob esta perspectiva. É que, em Cinema, é comummente aceite o uso de narrativas com recurso a imagens de arquivo. Narrativas que concorrem ao lado de narrativas criadas de raiz, com imagens originais. Se aceitamos isto, como não aceitamos a IA enquanto ferramenta? E mais: é justo?
Quando não há regras, entramos no caos. E, tanto é que, fotografias oriundas de rolos encontrados na Feira da Ladra, sem autor, já ganharam prémios de fotografia (atribuído a quem os encontrou); e até experiências com screenshots de um jogo de computador, chama-se “filme”, e ganha Melhor Curta-Metragem nos Prémios Europeus de Cinema.
Afinal, o que é o Cinema? Ou o que vai ser? Será necessário definir o óbvio ou, num mundo em constante mudança de conceitos, os “significados” são coisa do passado?