Opinião

Cinema | Junto aos rios da Babilónia

12 mai 2023 09:55

Competente, divertido, maravilhosamente dirigido e com desempenhos ao mais alto nível, Babylon é, no entanto... demasiado de tudo isto e exagerado na ambição, um pouco à imagem de Hollywood. Será esse o propósito de Chazelle?

Então o anjo transportou-me em espírito ao deserto. Vi lá uma mulher sentada em cima duma besta de cor escarlate, a qual estava coberta com nomes blasfemos contra Deus e tinha sete cabeças e dez chifres. A mulher tinha um vestido de púrpura e de escarlate e estava enfeitada com joias de ouro, com pedras preciosas e com pérolas. Segurava na mão uma taça de ouro, que estava cheia das indecências e da imundície da sua imoralidade. Na fronte tinha escrito este título misterioso: “A grande Babilónia, mãe das prostitutas e das indecências da Terra”” - Apocalipse, 17.3

Babylon
(Babylon, 2022), título do mais recente filme de Damien Chazelle deixa pouco a adivinhar quanto ao sombrio desfecho do enredo. Isto, claro, apesar de um início em tom de comédia escatológica e repleto do deboche e devassa que todos imaginamos seria a imagem de marca da Hollywood dos anos 20. Mas vamos por partes...

Após o intenso e surpreendente Whiplash – Nos Limites (Whiplash, 2014) e do premiadíssimo La La Land: Melodia de Amor (La La Land, 2016) há algo que se antecipava com elevado grau de certeza: o filme seguinte de Chazelle seria grande em orçamento e grandioso na abordagem. Há que convir que o jovem realizador não desiludiu neste aspeto, nem tão pouco em algo que é uma imagem de marca do seu trabalho: uma banda sonora de excelência. Tudo em Babylon é, aliás, grandioso e exagerado, incluindo a duração do filme, que ultrapassa as três horas (o que na realidade é demasiado tempo para um argumento relativamente simples).

O início da ação decorre nos anos 20, na Hollywood do cinema mudo, e enceta com uma... babilónica festa na casa de Don Wallach, um importante produtor, cuja semelhança física com Harvey Weinstein não pode, garantidamente, ser um acaso. Manny Torres (Diego Calva) é o “pau-para-toda-a-obra” responsável por fazer chegar um elefante – sim, um elefante – à mansão de Wallach, a tempo dos festejos. É ele, também que ajuda a introduzir na festa, sem convite, a lasciva Nellie LaRoy (Margot Robbie), aspirante a atriz, e, mais tarde, acaba por levar a casa um embriagado Jack Conrad (Brad Pitt), estrela maior da sétima arte, cujo charme extravasa a falta de som dos filmes que protagoniza.

É este trio de personagens – que podemos transformar em quarteto, se lhe somarmos o trompetista Sidney Palmer (Jovan Adepo) – que nos acompanha na transição do cinema mudo para o cinema falado, nos jogos de poder entre estúdios, e no relato das ascensões e quedas que naturalmente se espera serem contadas no contexto deste filme.

Competente, divertido, maravilhosamente dirigido e com desempenhos ao mais alto nível, Babylon é, no entanto... demasiado de tudo isto e exagerado na ambição, um pouco à imagem de Hollywood. Será esse o propósito de Chazelle?