Opinião

Cinema | Morre aqui a Engrenagem da Vida feita Folia

3 jan 2020 20:00

Trago esta expressão comigo há já uns anos, aplico-a de quando em quando. Em momentos de mente mais solene, quando acho, pois, necessário comentar sobre algo específico, desenhando a carvão sobre o objeto em estudo um “estado da nação” absolutamente vago.

Ao contrário do que queiramos acreditar, a linguagem não trata de factos, mas sim da sua expressão aproximada, satisfatoriamente exequível quando feita por um canal de comunicação estreito.

Ainda assim, de mim para mim, deixo a ambiguidade de repousar, quanto muito para que esta possa sempre fazer as pazes com o meu espírito, é importante não nos levarmos muito a sério nestes assuntos.

É por isso relativo o meu comentário de que o Cinema está a morrer. É a febre artística, de que tudo se faz pela hora da morte, “Cinema Is Dead, Long Live the Cinema” como foi apresentado por Peter Greenway em 2011, apresenta de facto um quadro negro para a sétima arte, um quadro negro de ardósia gasto e incapaz de se ver com clareza.

Ao longo da palestra universitária, o realizador surrealista britânico, numera como o meio artístico se vê na necessidade de se reinventar propondo uma miríade de trajectos por ele imaginados, mas não exclusivos, sempre abertos à proeza do ser humano...

Falar do futuro da arte é adotar as práticas de coroação Anglicana “o rei morreu, viva o Rei” sem que haja necessidade de utilizar os termos “novo e velho rei”, uma noção de reinvenção semi-humilde - pois não vem mais à frente sem os seus elitismos -, há que dizer que o cinema morreu, há que referir também quem matou o cinema, há que distinguir e dar a conhecer ao grande público que não há velho Cinema nem Novo Cinema, de que as pessoas ainda vão ao museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa, e que Bach ainda se faz ouvir nos auditórios da Casa da Música no Porto.

São estas as perguntas que merecem ser feitas nos próximos tempos pelo cinema em Portugal ao seu público. Há um ultraje que se tem que fazer soar, ao por exemplo ver que The Irishman não foi considerado digno - os mercados chamar-lhe-ão de necessário - de estreia em território Português, que o público foge das salas com filmes nacionais devido a fantasmas fabricados por uma iliteracia visual alarmante sob o pretexto de que este “é uma seca”, não conseguindo referir no mesmo argumento a última vez que viram de facto um filme Português.

De perceber que o monopólio de distribuição cria animosidade e distinção feroz em públicos achados irreconciliáveis. Na génese da atual discussão sobre Cinema e Não Cinema encontra-se a polarização e criação de minorias, quem criou o actual estatuto de “inacessível” e “elitista” do alegado cinema de autor foram as cadeias de distribuição ao privarem-no do público.

É palpável agora sim, que existam agora dois rumos no cinema, mas tudo isto se deve às palavras que lhe aplicamos, sejamos anglicanos nesse aspeto, indiferentes e esfomeados, gritos de Ipiranga são saúde: Morre aqui a Engrenagem da Vida feita Folia, viva a Engrenagem da vida Feita Folia.

Acaba-se o ano com mais filmes debaixo do braço

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990