Opinião

Cinema | Olhar em diante

8 jan 2022 20:00

Estamos num momento fracturante no que toca à criação, produção, distribuição e consumo de cinema

Terminámos o ano passado com a explosão de Don’t Look Up, primeiro nas salas NOS desde 8 de Dezembro, e na Netflix desde o dia 24.

O filme conta com um elenco de luxo, que tem tudo para cativar o espectador pelo star system, mas conta-nos uma história que tem tanto de bizarra, como de real, podendo classificar-se como um comédia à primeira vista, mas revelando-se um verdadeiro terror quanto mais pensamos na relação com a realidade.

O que parece começar como um filme de ficção científica ao estilo de Armageddon, rapidamente se transforma numa narrativa de série da Netflix. E é aí que começa a caricatura social, com uma infinitude de críticas que é difícil listar — desde o machismo e misoginia, ao showbiz do entretenimento e política, às dinâmicas de poder, os perigos dos governos de extrema direita... Os acontecimentos desenrolam-se a um ritmo alucinante, ao ponto de a meio do filme parecer que já estamos na terceira temporada de uma série.

Este tipo de linguagem e narrativa só é possível explorar depois de uma grande normalização e adaptação ao consumo em modo binge watching e on demand, tão promovido pelas plataformas de streaming, e tão popular entre indivíduos da tardia geração Y e da geração Z.

É certo que estamos num momento fracturante no que toca à criação, produção, distribuição e consumo de cinema, e em momentos fracturantes velhas características são deixadas para trás, surgindo outras novas. E de facto, Don’t Look Up é um perfeito exemplo de como o cinema pode embeber na sua linguagem as características deixadas pelo avanço de uma cultura cibernética nas artes.

O filme é acima de tudo uma ridicularização de uma realidade vivida sob valores patriarcais, capitalistas e direitistas — mais presentes no dia-a-dia de uns do que de outros, mas do quais nenhum de nós está certamente livre para sempre.

Há que agarrar oportunidades reais da nossa vida que impeçam que estas ficções se tornem realidade. E basta olhar em diante no nosso calendário de Janeiro.