Opinião

Cinema | Três horas robustas de espírito cinematográfico

1 abr 2022 20:00

The Batman (2022), realizado e co-escrito por Matt Reeves, veio de uma vez por todas consolidar o ponto de vista pessoal e artístico sobre os filmes de super-heróis

Quando se fala de Batman, parece inevitável mencionar o nome de Christopher Nolan. Se isto acontece, não se trata de um acaso. Com a sua visão original, Nolan transformou o filme de super-heróis ao assumi-lo como algo sério, capaz de questionar a realidade, sem deixar comprometer o lado artístico do realizador assim como o tão necessário sucesso de bilheteira.

Muitos críticos acharam que o paradigma se tinha alterado com aquela trilogia do “Cavaleiro das Trevas”. No entanto, e passado estes anos todos é perceptível de que se tratou de uma aventura solitária. Foi preciso chegar o ano de 2019 para termos mais uma incursão pessoal e um tanto original nos filmes de super-herói. Falo obviamente de Joker, realizado por Todd Phillips, que explora ainda mais o tipo de abordagem lançado por Nolan, ao assumir claramente uma visão artística (inspirada em The King of Comedy e Taxi Driver, ambos de Martin Scorsese), ao utilizar a violência não como uma força de ação permanente e destituída de significado mas como o culminar de um processo de auto-descoberta do protagonista, e ao despir o filme de super-heróis de algumas das suas convenções, nomeadamente a realidade fantasiosa e os efeitos espectaculares para captar os espectadores.

The Batman (2022), realizado e co-escrito por Matt Reeves, veio de uma vez por todas consolidar o ponto de vista pessoal e artístico sobre os filmes de super-heróis. Uma vez mais encontramos referências a outros filmes tais como Saw (James Wan), Se7en, Zodiac (ambos de David Fincher), Halloween (John Carpenter) e The French Connection (William Friedkin). Mais do que meras inspirações de piscar o olho, elas são a demonstração de um amor pelo cinema. O leitor mais impassível certamente terá ficado admirado com uso de tal palavra, mas a verdade é que a cinefilia é, de todas, a melhor arma para defender o cinema do mero produto de consumo. E se Reeves está disposto a trazer para um filme de super-heróis referências de filmes que têm a sua importância na história do cinema, significa que encara a sua profissão com paixão e seriedade.

O resultado está agora à vista de todos. Além de o espectador ser confrontado com uma versão de Bruce Wayne, bem mais novo do que que nas sagas anteriores, inadaptado e solitário, também vemos ser explorada a faceta de detetive de Batman, que se encontra no segundo ano de atividade a combater a criminalidade em Gotham. O facto de Reeves assumir os aspectos formais das suas influências neste filme de super-heróis, que geralmente não se parecem com nada e, por isso, se assemelham tanto uns com os outros, contribui para a criação de algo peculiar, atraente e admirável. De todos esses elementos formais, menciono apenas alguns como a narração em off diarística, o pessimismo e o cinismo (característico do filme noir), e o voyeurismo presente nos filmes de assassinos em série. Por muito que um filme tenha ideias interessantes, precisa da imagem para as melhor transmitir e Greig Fraser, diretor de fotografia, fez um trabalho excecional, com profundidades de campo arriscadas, composições manchadas por luzes e chuva, que intensificam não só o ambiente opressivo de Gotham como o desespero de Batman.