Sociedade

Classe política debaixo de fogo

18 ago 2016 00:00

As políticas florestais têm sido caracterizadas por diferentes medidas, planos e estudos, impostos pelos sucessivos governos, com resultados muito aquém do prometido.

Só este ano, Portugal é responsável por mais de metade da área ardida na Europa, com quase 117 mil hectares. Bombeiros, líderes associativos, inspectores e agentes policiais identificam o que não devia ter sido feito e avançam com propostas concretas para acabar com os grandes incêndios.

Os incêndios que deflagraram nas últimas semanas voltaram a gerar um debate inflamado entre diferentes especialistas no assunto. Muitas vezes com visões diametralmente opostas, outras vezes complementares, tanto aqueles que andam no terreno como os que se dedicam ao estudo deste fenómeno há anos, convergem num ponto: a classe política é a principal responsável por esta calamidade.

7Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, considera que a floresta se tornou um espaço “altamente inflamável”, desde que deixou de haver ordenamento e emparcelamento e se verificou o abandono da produção agrícola e o consequente despovoamento. Estes factores, associados a altas temperaturas, a baixa humidade e ao vento, deixaram a floresta desprotegida.

“Acabaram com os guardas-florestais, com os guarda-rios, deixaram cair a recolha de resina e deixaram de apostar na pequena pastorícia”, lamenta Jaime Marta Soares, que aponta como única responsável por esta situação a classe política.

Políticos substituídos por técnicos
José Almeida Lopes, comandante dos Bombeiros Voluntários de Leiria (BVL), partilha da mesma opinião e propõe mesmo criar legislação para penalizar os detentores de cargos políticos e administrativos que negligenciem o ordenamento do território, o ordenamento da floresta, o planeamento e a prevenção. “A Saúde, a Educação, a Segurança dos cidadãos e parte da protecção de pessoas e bens têm de ser entregues a técnicos”, defende Almeida Lopes. “Não podemos estar sujeitos a que, cada vez que há eleições, se deite por água abaixo tudo o que está planeado”, justifica. “Nestas áreas, o planeamento tem de ser feito, no mínimo, a 15 ou 20 anos, para conseguimos perceber se funciona.”

Em consequência disso, o comandante dos BVL identifica como principais problemas a falta de ordenamento urbano, a falta de ordenamento florestal e o abandono das práticas agrícolas. “Para combater a desertificação, o Estado devia ter mantido os guardas florestais, que conheciam a floresta, as espécies e as alterações climáticas da região.”

As sucessivas mudanças de governo também contribuem para deixar na gaveta projectos que poderiam contribuir para prevenir este flagelo, como o apresentado por Rui Barreiro, secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural no governo de José Sócrates.

O protocolo então assinado com a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais estabelecia que os reclusos dessem apoio na limpeza das florestas, medida que seria alargada ainda aos beneficiários do Rendimento Social de Inserção e aos desempregados.

Treino do Exército na floresta
Rui Barreiro pretendia ainda que os militares do Exército tivessem treinos nas florestas, pois a sua presença constituiria uma forma de vigilância activa. Este modelo chegou a ser testado numa serra do Algarve, onde não deflagraram incêndios nesse ano. “Vejo o meu País a arder por estupidez”, afirma Francisco Carvalho Guerra, presidente da Direcção da Forestis – Associação Florestal de Portugal. “Quando a meteorologia avisa, com oito dias de antecedência, que vai estar vento e que as temperaturas serão de 30º por que é que o Exército e a GNR não vão para as zonas mais importantes do País, onde existe floresta de pinheiro bravo?”

Carvalho Guerra lamenta que tenham acabado com os guardas-florestais, “que estavam atentíssimos a qualquer foco de incêndio” e que os sapadores florestais, criados para apagar incêndios em 20 minutos, nem sempre saibam por onde começar. Defensor da ideia de que prevenção e segurança devem andar lado a lado, diz serem necessários mais aceiros (para retardar a progressão dos fogos), mais espaço entre os pinheiros, limpar os terrenos e criar pontos de água.

“O problema dos incêndios tem solução, mas isso implica que os Ministérios da Administração Interna, do Emprego, da Educação e da Segurança Social trabalhem atempadamente na prevenção”, assegura Rui Barreiro. “Ou resolvemos este problema nacional ou continuamos a empobrecer alegremente.” Além dos prejuízos causados aos proprietários dos terrenos, refere as estradas cortadas, problemas de comunicações, no abastecimento de luz e ainda os efeitos nefastos sobre o turismo.

55% dos incendiários têm problemas mentais 
Défice cognitivo, esquizofrenia, demência alcoólica e depressão crónica são os principiais problemas que afectam o grupo mais expressivo de incendiários, revela Cristina Soeiro, psicóloga forense da Polícia Judiciária (PJ). Dos cerca de 520 casos estudados desde 1997, este é o grupo que constitui mais preocupação, já que 17% são reincidentes.

“É fácil mudar leis e penas. O problema é que se não tratarmos estas pessoas, elas voltam a fazer o mesmo”, observa Cristina Soeiro, a propósito de uma petição a circular na internet que propõe o agravamento da pena máxima do crime de incêndio de oito para 25 anos e que, à hora de fecho de edição, contava com 51.626 assinaturas.

Na realidade, pouco é feito para acompanhar quem sofre de perturbações mentais. “Se os indivíduos com problemas de alcoolismo vão às consultas duas vezes por ano e não tomam os comprimidos, qual é a eficácia destes tratamentos?”, questiona a psicóloga  forense. “Muitas destas pessoas, não têm controlo social nem tratamento. Não é feita prevenção.”

*Com Elisabete Cruz

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