Opinião
Comanda
A nossa cultura é por demais fixa e residente, o nosso humor só nos toca a nós, e o José Cid inventou o rock and roll, mas lá fora, ninguém soube disso
Cinco semanas fora de Portugal, percorrendo um caminho de quem ninguém aqui fala, entretidos, como sempre, pelas enormidades dos soundbites dos mesmos de sempre, que lançam discos para algoritmos que não existiam à sua época.
É no terceiro dia, sempre no terceiro dia, em nada ressuscita, mas tudo dói: a cabeça, perdida entre fusos horários; a lombar, amarrotada pelas estradas do Brasil; a carteira, porque tivemos de ir ao supermercado, sem nos limitarmos às “primeiras necessidades.”
O orgulho na bandeira Portuguesa, dobrada no fundo da mala. Faz calor em Portugal, tal qual na América do Sul. E por aqui, também se vai vivendo na polarização política, económica e bélica, que separa amantes e famílias.
Sorrimos perante a familiaridade das coisas, dos edifícios que nos passam à estrada, no entender da língua, das pessoas, mas também ficamos tontos pela ausência do chão que se move por baixo de nós na lonjura das viagens; tremendo no desaparecimento breve do palco, onde fincámos tanto os pés que quase criámos raízes.
Mais uma vez: fomos e voltámos, sem que ninguém desse sinal e cá estamos para apanhar a nossa ponta deste novelo e começar a enrolá-lo até ao sítio, sobre o qual ninguém nada sabe, sobre o qual, não há como pedir direcções, ou coordenadas, ou, ao menos, um pin.
Nada há como o hábito: essa invenção para acalmar os homens e lhes permitir a vida repetida de que tanto gostamos aqui, à “beira-mar plantados.” Talvez seja esta a expressão que nos define melhor, a qual usamos para nos desculpar de não ir mais além.
Também vos digo: não há nada para ver além, e se há, também não interessa nada aos daqui. Somos um país para consumo próprio, com prazo de validade iogurteiro. Se inchamos, já não presta.
A nossa cultura é por demais fixa e residente, o nosso humor só nos toca a nós, e o José Cid inventou o rock and roll, mas lá fora, ninguém soube disso e essas páginas, entre cavalos e herdades, não foram escritas como deviam de ser.
No Brasil, por exemplo, a conta diz-se comanda e cada um paga a sua. Aqui dizemos a dolorosa. A minha ordem de marcha já está assinada e vou ali e já venho. Assim é o meu destino. Regresso num instante, vão ver, nem vão dar por isso.