Opinião
Dolores Silva – A goleadora
Convicta e esclarecida, fez ouvir a sua voz e a voz de muitos de nós, mulheres e homens
Ainda não tinha sido apitado o instante para o início da partida, com que a nossa Seleção Feminina de Futebol se iria estrear no Mundial de 2023, e já a capitã da equipa, Dolores Silva, tinha marcado cinco extraordinários golos.
Após uma festa de receção à comitiva nacional, onde este punhado de Mulheres foram honradas com uma cerimónia da Cultura Maori, declarou ao semanário Expresso: “O Campeonato do Mundo é uma grande montra (...), também naquilo que toca aos deveres da sociedade, aos direitos das pessoas, ao defender causas, defender estes povos, defender os direitos das mulheres. Todas estas causas são importantes para a nossa sociedade”.
Assim, sem pejo, convicta e esclarecida, fez ouvir a sua voz e a voz de muitos de nós, mulheres e homens, para quem um momento de visibilidade é bem mais que um breve instante narcísico de fama ou montra pública de vaidade. Duma assentada goleou essa despótica equipa dos que tendo a oportunidade de agir ou tão-somente – e já seria muito! – de alertar consciências, o não fazem, deixando escoar entre os dedos o palco maior que é o de um evento mundial.
Com as suas palavras foi certeira nos remates do que muito e verdadeiramente interessa: o dever que a todos cabe de não esquecermos a nossa condição de seres sociais e que apenas vivemos enquanto soubermos viver com o outro e para o outro; a defesa inequívoca dos direitos de cada ser humano e que tão amiúde parecemos esquecer quando flagrantes desrespeitos ocorrem mesmo ao nosso lado; a defesa das causas comuns, tantas que são e das quais depende a nossa sobrevivência e a nossa liberdade; a defesa dos povos, nessa abrangência maior que é a do respeito pela matriz cultural que os define e com a qual se identificam; e por fim, e sobremaneira importante, os direitos das mulheres, sobretudo neste momento de reversão social a que assistimos e onde, diariamente, são notícia homicídios, execráveis maus-tratos, humilhações em contexto laboral e social, e muitos estados e partidos políticos que se envaidecem por restringir a liberdade e o direito à dignidade a todas as mulheres.
Lá, bem longe, nos antípodas deste frágil planeta que descuidamos, Dolores Silva soube dignificar a braçadeira que lhe coube por mérito. Fez dela coisa e causa maior. Usou a oportunidade da palavra para relembrar que estar presente num mundial de futebol é mais que umas quantas partidas e classificações. Obrigou à reflexão de que por cá, um punhado de energúmenos propague sem pudor a extinção das causas que esta Mulher maiúscula levantou como estandarte.
Mais não seria necessário para considerarmos que a nossa Seleção Feminina de Futebol já ganhou este mundial!