Opinião

Escutar, falar, ouvir, escutar

7 jan 2020 20:36

E escutar é bem diferente de ouvir.

Na sociedade actual, em que o que não é imediato parece já não existir e que ninguém parece estar já vinculado a ninguém, escutar e falar nem sempre vão de mão dada.

Há quem fale, fale, para nunca ouvir e, outras vezes, há quem fale, fale para nunca ser escutado. E também há quem verdadeiramente nunca escute.

E escutar é bem diferente de ouvir.

José Tolentino Mendonça, numa interessante entrevista a Anabela Mota Ribeiro, define-os como ninguém: “ouvir tem uma conotação apressada e escutar é uma sintonização mais profunda”.

Paradoxos relacionais tão presentes na nossa líquida sociedade moderna, como defende Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polaco de quem eu também gosto muito.

No seu livro Amor Líquido - Sobre a fragilidade dos laços humanos, fala-nos da “misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e os desejos contraditórios (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e aos mesmo tempo mantêlos fouxos” (p.10).

Ou seja, esta constante inquietação tão presente dentro de quem diariamente nos procura para ser ajudado: “homens e mulheres, desesperados por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente descartáveis, ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com que possam contar num momento de aflição, desesperados por “relacionar-se”.

E, no entanto, desconfiados da condição de “estar ligado”, em particular de estar ligado “permanentemente”, para não dizer eternamente” (p.10).

Tolentino Mendonça também escreveu na sua habitual crónica na Revista E do jornal Expresso que apesar de tudo “hoje continuamos a conversar (...) mas parece que contamos menos com o que daí pode provir (...) tornámo-nos menos curiosos pelo mundo do outro que temos diante de nós”.

Com os dois, eu não podia estar mais de acordo. Estamos e não estamos, escutamos e não escutamos, queremos e não queremos, vivemos ligados ou desligados, conectados na rede ou desconectados. E esta é a nossa experiência da clínica actual.

Uma clínica do vazio, da constante inquietação, da dor mental sem nome e que na impossibilidade de ser representada e pensada é muitas vezes agida e projectada na vida relacional e na própria relação psicoterapêutica.

Mas aqui emerge a esperança de uma segunda oportunidade de se ser verdadeiramente escutado e compreendido.

Foi assim com o António: “Neste tempo aqui consigo, o que achei mais importante foi falar. Na maior parte das vezes sem saber do que sofria, nem saber o que vinha dizer, mas sabia que podia entrar, sentar e falar e a Patrícia escutar!”

Na era actual, a psicoterapia é a criação de um espaço relacional de sobrevivência, uma segunda oportunidade de verdadeiramente existir e de sentir que somos verdadeiramente importantes para alguém, que a nossa vida conta e que temos um projecto a construir.

No fundo, sermos ouvidos e respeitados no nosso sentir e no nosso querer, no seio de uma relação que é fisica e real com a pessoa do psicoterapeuta, alguém de carne e osso que está lá e se importa verdadeiramente connosco e nos ampara, sem julgar nem moralizar.

É uma relação humana e dela resulta um novo encontro emocionalmente profundo vivido a dois, que pressupõe vínculos, afectos e tempos: tempos de escuta e de fala diferenciados, capazes de retomar o desenvolvimento relacional que ficou suspenso.