Opinião
Fazer. Verbo - criar, conceber, realizar, fabricar
Não podemos comparar o incomparável, mas podemos conhecer e compreender as diferenças
Retomo o ponto da minha última crónica, sobre o encontro no Quénia, entre escolas europeias e africanas, no início deste projecto-piloto da Comissão Europeia chamado SAAM (que abrirá as portas do Ensino Profissional ao Erasmus a África). Encontro de culturas, línguas, hábitos e rotinas a uma só velocidade. É difícil encontrar tantos denominadores comuns, mas é possível. A língua não é uma barreira, ao contrário do que seria de supor. É bem verdade que quando há vontade há um caminho. Entre o inglês, o francês, o espanhol e o português, lá nos fomos conseguindo entender (ganhamos aos espanhóis aos pontos!!!).
Se achamos que a Europa é uma manta de retalhos, com sistemas de educação diferentes de país para país, quando colocamos África nesta equação conseguimos uma Torre de Babel. Não é indiferente partilhar projectos com alunos de 15 anos, com alunos de 23, com três anos de ciclo de estudos ou apenas um. As diferenças de organização escolar, lá como cá, têm um forte cunho de autorizações e permissões de governo, a máquina estatal domina e determina regras e tudo o mais que se possa imaginar.
Em todas as reuniões preparatórias entre pares (escolas-países) há uma miríade de ficheiros e documentos a preencher, e num dos campos numa qualquer plataforma, encontro a questão sobre sugestões para melhorar o “sistema”… oh boy…
Visitei escolas com ensino profissional. Lá como cá, o saber-fazer é uma mais-valia, e em muitos casos a linha que separa estes alunos de vidas sem realização. Não podemos comparar o incomparável, mas podemos conhecer e compreender as diferenças. Ninguém respeita o que não conhece e quando nos vemos a trabalhar com diferenças sociais e culturais tão fortes, aquilo que temos que começar por fazer é compreender. Só assim poderemos cooperar.
Uma das escolas tinha sala de costura. Aproximei-me de uma jovem empenhada que, debruçada, se debatia com um tecido que enrolava na máquina. Perguntei se gostava da escola e o que queria ser quando dali saísse (a pergunta é um cliché que se torna relevante quando falamos de ensino de profissões). Ela mostrou-me o que estava a conseguir com reaproveitamento de tecidos e que, à mão de um sonho, se estava a transformar num lindo vestido. “Eu quero desenhar as minhas próprias roupas, ser designer de moda”.
A pergunta foi repetida na oficina de mecânica, com dois entusiasmados rapazes contando que iam montar uma oficina em conjunto quando terminassem a escola. Palavras como sustentabilidade e empreendedorismo são moda por cá, mas é raro encontrar exemplos práticos de dois miúdos de 16 anos que tenham planos para abrir a sua própria empresa e de miúdas de 17 anos que reaproveitem tecidos para costurar vestidos. Se isto me impressionou? Muito. Vi vontade de aprender, com paixão, com brilho nos olhos…
Neste mundo de diferenças, tenho a certeza que encontraremos projectos que conseguimos realizar em comum. Serão mais eficazes na vida destes miúdos, os de cá e os de lá, do que as dezenas de páginas de relatórios que enviaremos à comissão. As ideias para mudar o sistema podem começar assim, a fazer, e com isso, a realizar sonhos.