Opinião

Gerir não é para mim

30 jan 2022 15:12

Ao deus Dará

Gerir é horrível. É só meter os olhos nas pequenas grandes coisas que enfrentamos durante o tempo que nos foi concedido aqui e analisar. A conclusão teria que ser um: sabe Deus como é que conseguimos. Os amores, o emprego, as relações, os horários, as ansias, os sonhos, os objectivos, os falhanços. Parece que nunca nada está completamente cumprido, não é? Encontrar o equilíbrio entre a felicidade e a eficácia, entre o material e o humano, o doce e o azedo. É uma missão que parece só estar ao alcance dos nossos melhores exemplares. Os abençoados pela genética estimadinha e a formação paga. Contudo, todos nós, (e bem), temos uma palavra a dizer sobre a forma como o que quer que seja está a ser gerido. 

Gerir é a nossa maior arma para a vida e ao mesmo tempo um guincho constante e atroz de um joanete apertado num sapato. Nós, comuns mortais, simplesmente não sabemos lidar com o desafio de gerir. O consumo de calmantes no país comprova-o. O de coca também. E o de álcool idem. 

Gerir uma pessoa e todas as suas coisinhas é difícil. Gerir uma família é ser funambulista sobre um rio de crocodilos. Gerir um país é ter uma escoliose permanente espetada bem funda na parte de trás do pescoço, impossível de suportar. Inflações, taxas, orçamentos, dossiês, comissões, juros, ministérios, dividas, dúvidas, 10 milhões de expectativas. Ninguém merece. 

Hoje escolhemos a equipa que vai gerir a nossa situação nos próximos anos (poucos provavelmente). Bem sei que parece que estamos a escolher por entre os que não foram selecionados para a equipa  que levava abadas no intervalo do liceu. Mas é o que temos. E o que temos, não na acepção liberal da coisas, também depende de nós. Os que se sentem capazes de gerir têm de se chegar à frente e representar os seus semelhantes que não têm essa capacidade. Como consegui-lo? Não faço ideia. Sei que o gordo, se for parvo, nem na baliza deve ter lugar. Mas se não houver mais nenhum para escolher o que é que podemos fazer? Por vezes até os pernetas têm de jogar à frente. 

Aconteça o que acontecer aos resultados oficiais, vamos ter de aprender a gerir o que aí vem. Hoje ao fim da noite estará meio país a vociferar impropérios para a outra metade. - Coita-se! Meretriz parideira esta decomposição alimentar! Estes?! 

Como Portugal é um país de três metades, ainda temos os que não votam. Os que não votam têm uma maneira curiosa, mas válida, de como gerir a vida deles. - Decidam os outros. São sujeitos que não ficam inebriados pela maravilha que hoje ocorre. Hoje, é dos poucos dias em que acontece uma coisa  linda de verdade, hoje, valemos todos exactamente o mesmo.  Inclusivamente os que não acreditam nas fundações democráticas e humanas basilares. Não é bonito?

Eu não sei como se gere uma pessoa, uma família, muito menos um país. Não sei como é que se consegue liberdade, igualdade, equidade, bonança, prosperidade, condições, saúde para todos, justiça célere e justa, impostos bons para empregados e patrões, crescimento e sustentabilidade, salários dignos que permitam viver e plausíveis de serem pagos e todas as outras milhentas coisas que se atravessam no caminho das pessoas. Mas sei que se me dão a oportunidade de dizer alguma coisa sobre a gestão do futuro, eu lá estarei. Não é por nada. É só a minha comóda gestão do que há para gerir, porque podem-me tirar muita coisa mas não me podem tirar a possibilidade de refilar com a autoridade de quem preencheu todas as burocracias necessárias para o fazer. Ainda para mais é fácil, é só ir lá meter uma cruzinha em alguém, para eles gerirem os assuntos que ninguém parece querer tratar.