Opinião

Guerra de Surdos

31 mar 2023 16:32

Parece que face a tamanha descoordenação, o que passou a ser o objectivo principal foi gerir os equilíbrios no seio do PS

Faz hoje precisamente um ano que o Governo de António Costa (com maioria absoluta) tomou posse, depois de resolvido o imbróglio com a repetição da eleição, no círculo da Europa.

Compreendo que muitos que possam estar a ler estas linhas se questionem, de repente, se terá sido só mesmo há um ano que este Governo iniciou funções.

E nem tanto pela recente avaliação do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, quando classificou com “requentada e cansada” esta maioria, mas, porque, de facto, tantas foram as confusões no interior do Governo, da sua exclusiva responsabilidade, que parece ser impossível que tenha acontecido tanta coisa em apenas 365 dias de exercício de funções.

E o mais grave, é que todo esse ambiente desviou o primeiro-ministro, qual bombeiro num teatro de operações complexo, daquilo que verdadeiramente devia importar, governar o País, pois foi para isso que foi eleito pelos portugueses, e não consumir a sua energia nestas questiúnculas de organização interna, quer do Governo quer do Partido Socialista (PS).

Porque esse é o outro ponto.

Parece que face a tamanha descoordenação, o que passou a ser o objectivo principal foi gerir os equilíbrios no seio do PS, com nomeações para o Governo, designadamente a partir da saída de Pedro Nuno Santos.

Se até aí, António Costa já tinha chamado para o Governo quase todos os putativos candidatos a secretário-geral do PS, depois da demissão do ministro das Infraestruturas ainda teve que cuidar de garantir a sua quota, com forma de compensar a sua ausência.

E foi neste cenário, com uma grave crise económica e social a desenhar-se, por força da inflação galopante, com a consequente subida das taxas de juro impostas pelo Banco Central Europeu, a agravar sobremaneira a vida de muitas famílias portuguesas, que continuamos sem que se apresentem soluções capazes de atenuar esse forte impacto.

E para desvanecer quaisquer dúvidas sobre todo este ano, veio recentemente o Presidente da República, numa entrevista de balanço dos seus 7 anos de mandato, iniciar um novo ciclo na relação com o Governo e, em particular, com o 
primeiro-ministro.

Ou seja, já não foram as observações simpáticas de que Portugal tem um líder do Governo irritantemente optimista, que até lhe segurou o guarda-chuva nas comemorações do 10 de Junho, em Paris; foi uma entrevista bastante arrojada no que a avaliação do Governo disse respeito.

Poucas áreas importantes ficaram de fora da avaliação, digo eu negativa, do Presidente, desde a Saúde, Educação, à execução do PRR (até vai querer ir visitar as obras em execução) ou à gestão do processo da TAP.

Mas ainda não satisfeito, deu recentemente uma estocada a valer no Programa Mais Habitação, dando conta das suas dúvidas sobre a constitucionalidade de algumas medidas, para lá de já o ter caracterizado como “inoperacional” ou compará-las com a feitura de algumas leis, “as chamadas leis cartazes”, onde a “ideia não é propriamente que passem à prática”.

Claro que António Costa na sua sobranceria que lhe é conhecida, e depois de criticar de forma pouco correcta Cavaco Silva, lá foi dizendo que “a razão pela qual prefiro funções executivas é que nas outras fala-se, fala-se e nas funções executivas faz-se ou não se faz”.

Como numa boa novela brasileira, esperamos, expectantes, pelas cenas do próximo episódio!