Opinião
Haja saúde mental!
Ser resiliente não é nenhuma bandeira nem nenhuma medalha que tenhamos de trazer ao peito
Ou saúde de um modo geral, tanto física como mental. Esta semana celebrou-se mais um Dia Mundial da Saúde Mental. Um dia em que se pretende chamar a atenção para a importância de não desvalorizarmos a doença mental, de combater estigmas, de educar a população geral, de tornar o acesso mais fácil à ajuda especializada.
Infelizmente o acesso público, como em todas as áreas da saúde, está entupido e as respostas privadas não se coadunam com as carteiras dos portugueses. Aproveito para deixar uma nota de apreço por todos os profissionais de saúde que fazem o seu melhor com tão poucos recursos.
São uma gota no oceano mas eu reservo na minha agenda sempre vagas semanais pro bono. Infelizmente estão sempre cheias também.
Há umas semanas atendi pela primeira vez uma senhora com crises de ansiedade acentuadas. Revelou-me que o seu maior medo era de que eu dissesse que não era nada, que ela estava só a ser exagerada. Está com estas crises há cerca de 3 anos. Estão tão acentuadas que sente stress constante, não dorme e anda irritadiça. Está a prejudicar a relação com os filhos e o marido. Está em claro sofrimento e começa a falhar aos seus compromissos pessoais e familiares.
E como profissional de saúde mental pensei: “Desde quando normalizámos o sofrimento?” Será que a senhora achou mesmo que eu lhe ia dizer que isto era normal e ela teria de viver assim para sempre? Claro que disse que não e dei-lhe esperança que felizmente existem vários tipos de tratamento à sua disposição.
Os números de prevalência da doença mental em Portugal são assustadores. Mas hoje não quero falar de números mas sim de pessoas. Todas estas pessoas acreditarão que por ser comum desde a pandemia então que é suposto ser assim?
Sinto que toda a conversa que foi veiculada sobre resiliência acabou por ser pervertida pelo grande público. Ser resiliente é desenvolver capacidades, ferramentas e instrumentos não só mentais como de outra natureza para combater as adversidades. Não quer dizer ausência de doença mental ou “comer e calar porque agora é assim e estamos todos doentes”.
E ser resiliente não é nenhuma bandeira nem nenhuma medalha que tenhamos de trazer ao peito. Se há algo que aprendi enquanto trabalhei num hospital psiquiátrico foi esta belíssima lição de humildade: a linha que separa a saúde mental da doença é ténue e muitos de nós a atravessamos em várias fases da nossa vida. A diferença está no tempo que passamos do outro lado. Ou no tempo que demoramos a reconhecer que necessitamos de ajuda.