Opinião

Isto e o Bowie

22 jan 2016 00:00

Do alto das dissonâncias que só dão trabalho infecundo, dá-me para esquecer isso tudo e redescobrir Bowie. Nunca me tinha apercebido que era tão boa pessoa e não é por ter morrido, é porque era mesmo.

O centro comercial já não cheira a purpurina, cheira a salas de espera de hospital e a Fátima. A democratização do consumismo já não é excitante, é uma noção que se auto implode com a rapidez que ela própria imprimiu na máquina.

O centro comercial está morto. Outro dia não consegui desligar a ideia de estranhar tanta diversidade bacoca e desalmada, o charme do centro comercial deu lugar a uma feira de mofo extremamente pirosa, diferente mas igual, cheia de ácaros, desnecessidades e corporações amparadas por securitas.

Vazou de mim aquela questão de não pertença outra vez, deduzi como sempre deduzo que não sei falar com as pessoas e não pretendo que saibam sequer que existo porque a dar-se esse caso, não saberia o que dizer.

Lembro-me de haver excursões a Lisboa para visitar aquela obra do Taveira cheia de lojas lá dentro mas nós não íamos para ver as lojas ou sequer comprar coisas, íamos para conhecer aquela ideia tão progressista que daqui a 3 ou 4 anos desapareceria. Só que não. Afinal não. Cresceu, maturou e morreu.

Sente-se que se está a entrar num espaço mal lavado, desleixado, falido até. Bem se sabe que não é o caso, não se trata de contenção de custos, trata-se de o mínimo ser o suficiente, dar mais do que isso é mimo interpessoal, perigoso, semi socialista. Rodeado por tanta figuração, de iguais multicolores que já nem de neon precisam para compor a cinzentude, sente-se solidão.

Apesar de se querer evidenciar um sentimento de superioridade, a verdade é que ele não existe porque seja que prazer for, ele só existe se denunciadamente partilhado. E, se fores clinicamente antisocial, essa tarefa revela-se particularmente difícil.

Do alto das dissonâncias que só dão trabalho infecundo, dá-me para esquecer isso tudo e redescobrir Bowie. Nunca me tinha apercebido que era tão boa pessoa e não é por ter morrido, é porque era mesmo.

Era completo, inspirado, inspirador e muito muito bonito. Nunca tinha pensado que podia morrer. Nem que era possível ter-se tanto charme a encenar a própria morte. Foi uma encenação generosa que respeita a dor, abrevia tumultos existenciais e ao mesmo tempo exibe uma saída com a maior piscadela de olho da história.

Músico